Comida, saúde e ambiente

O Seminário “Desafios Além da Carne Fraca: comida, saúde e ambiente”, que aconteceu no dia 18 de abril, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), discutiu as questões amplas e profundas que não apareceram nos noticiários no Brasil, quando vieram a público os resultados da Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal no dia 17 de março. Pesquisadores se reuniram para apresentar e debater questões como o processo produtivo da carne, o trabalho, a economia, o direito dos animais, a alimentação saudável e a não-saudável, a saúde da população, a vigilância sanitária e o Sistema Único de Saúde, a degradação ambiental. Inês Rugani, coordenadora do GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Abrasco, e Eduardo Faerstein, coordenador do Comitê de Relações Internacionais da Abrasco, organizadores do evento, afirmaram que apenas por meio da combinação dos campos da Saúde Coletiva, Agronomia, Economia, Engenharia, Jornalismo, Nutrição, Bioquímica e Ciências Sociais foi possível compreender e agir sobre os complexos processos, interligados, que determinam e influenciam a alimentação humana. “Além dos ​12 moderadores, palestrantes e debatedores​, um time ​considerável de técnicos, alunos e docentes envolveu-se em numerosas providencias para produção e apoio operacional. Além do apoio, inclusive financeiro, das entidades co-promotoras (Abrasco, Centro Brasil de Saúde Global, Idec, Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável), houve decisivo apoio institucional na UERJ por parte da Reitoria, Direções e coordenações de pós-graduação dos Institutos de Nutrição e Medicina Social; Telessaude, CTE/SR3, Prefeitura do campus e Comunicação/Abrasco garantiram a gravação, transmissão online e documentação do evento; Abrasco/Livros esteve presente, com obras relacionadas ao tema”, ressaltaram.

Nesse sentido, uma programação intensa de um dia inteiro foi planejada para o Seminário. Pela manhã, “destrinchando a cadeia produtiva da carne no sistema alimentar”, estiveram Sérgio Schlesinger (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE), Pedro Cristoffolli (Universidade Federal da Fronteira Sul) e Natália Suzuki (coordenadora do Programa “Escravo, nem pensar! da ONG Repórter Brasil). Moderada por Paulo Henrique Rodrigues (coordenador Adjunto Pós-Graduação Saúde Coletiva – IMS-UERJ), a mesa teve como debatedor Luiz Carlos Pinheiro Machado (Professor aposentado UFRGS e UFSC). A abertura foi realizada por Eduardo Faerstein, que explicou “o que os trouxe” a estar neste Seminário, pensar o evento. Faerstein começou as atividades do dia destacando a visibilidade da Operação Carne Fraca na imprensa internacional e ressaltou que o tema do evento e todas as nuances que seriam debatidas não eram questões triviais. “Não é nosso objetivo entrar no contexto da operação policial, nem os desdobramentos judiciais da Carne Fraca. Tampouco é nosso objetivo, com o Seminário, debater preferências alimentares, tipos de dieta. O que nos traz aqui hoje são as preocupações com a Saúde e as populações. O que acontece no estado de saúde ao longo da vida é resultante de uma operação de numerosos determinantes, que até que se chegue ao sistema biológico, existe um conjunto de dimensões que estão além do indivíduo, fatores estruturais e sociais, aos quais nosso tema se encaixa”, pontuou.

Sérgio Schlesinger, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE, apresentou gráficos, tabelas e outros recursos visuais e informacionais, para explicar, do ponto de vista econômico, que de “Fraca” a carne não tem nada. O Brasil é um dos maiores produtores de carne bovina no mundo, o segundo maior de carne de frango, o que movimenta bilhões de reais. Além disso, Schlesinger apresentou o impacto da cadeia produtiva da carne no desmatamento, na redução de biodiversidade, na crise hídrica e nas mudanças climáticas. Pedro Cristoffolli, da Universidade Federal da Fronteira Sul, destacou a produção, o número de arrobas produzidas no Brasil, a dimensão, a cadeia envolvida nesse processo produtivo e as mudanças empresariais que ocorreram durante várias décadas. Natália Suzuki, coordenadora do Programa “Escravo, nem pensar! da ONG Repórter Brasil, apresentou as pesquisas realizadas pela instituição Repórter Brasil no âmbito do trabalho em frigoríficos, na agropecuária e sobre as condições de trabalho dos trabalhadores dessa cadeia produtiva. Segundo Natália, o campo da agropecuária é o que apresenta o maior índice de trabalho escravo no Brasil.


À tarde, o tema da mesa trouxe “A cadeia produtiva da carne, saúde da população e direitos do consumidor” e também os palestrantes André Luis Gemal (UFRJ), Rosangela Pezza Cintrão (Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e Ana Paula Bortoletto (Idec; Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável) para discutir o tema. André Gemal, membro do GT Vigilância Sanitária da Abrasco, destacou questões cruciais e cronológicas para entendermos mudanças e possíveis avanços em relação à Saúde, ao Sistema Único de Saúde, à Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Pontuou diversas vezes que a questão da fragmentação é o grande problema de controle e vigilância na produção e comercialização da carne. E ressaltou que “no embate entre o econômico e a saúde, estamos sendo comidos (sem trocadilhos)”. “Precisamos sair da fragmentação e pensar em novo modelo que possa integrar produção e consumo”, afirmou. Rosangela Pezza Cintrão, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, apresentou o grupo de trabalho do Slow Food Brasil sobre queijos artesanais. “”Entender a lógica da Legislação Sanitária e suas consequências implica em perceber que há dois modelos de produção e desenvolvimento em disputa na agricultura: o da ‘modernização da agricultura’ ou agronegócio e o da agricultura sustentável ou agroecologia”. Para Rosangela, a mudança de cultura foi tão avassaladora que nós acreditamos ser mais seguro consumir produtos vendidos nos grandes supermercados.

Ana Paula Bortoletto, do Idec e da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, explicou quais foram as providências tomadas pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) quando foi deflagrada a Operação Carne Fraca. Com as evidências de fraude nos produtos de origem animal disponíveis para consumo, o Idec exigiu que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento fornecesse ao público de forma ampla, clara e precisa, informações sobre o rol de produtos fraudados, descrição de marcas, número de lotes, locais de apreensão e outros dados que os identifiquem; e ainda determinasse às empresas envolvidas, a retirada imediata do mercado (recall) dos produtos fraudados/deteriorados, com o imediato recolhimento dos produtos do mercado de consumo, até que fossem sanadas as falhas do processo produtivo e de fiscalização que colocassem em risco a saúde e a segurança dos consumidores brasileiros e estrangeiros. No dia 31 de março último,  o Idec encaminhou à Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), ao Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e ao Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Blairo Maggi, uma carta pedindo explicações sobre a suspensão do recall das carnes provenientes dos frigoríficos Souza Ramos, Transmeat e Pecin, alvos da Operação Carne Fraca. Ana Paula disse que o Idec vem acompanhando com empenho a situação e cobra que mais informações sobre os detalhes da Operação sejam trazidas a público para que os reais riscos que os consumidores brasileiros e de outros países sejam expostos.

Na mesa final, que reuniu todos os palestrantes, coordenadores e debatedores, numa plenária aberta à participação do público, os participantes puderam pontuar e relacionar as questões apresentadas durante todo o dia. Inês Rugani e Eduardo Faerstein agradeceram a todos que contribuíram para a viabilização do seminário, que teve sucesso de público e de crítica, e que acalentou e revigorou os participantes, em meio a tanta adversidade vivida na UERJ atualmente.

O Seminário “Desafios Além da Carne Fraca: comida, saúde e ambiente”, segundo Faerstein, terá continuidade com relatório, edição e postagem de vídeo, publicação de artigos em periódico indexado, e manutenção e expansão de repositório de material bibliográfico.

 

Fonte: Abrasco