Evolução na biotecnologia é vagarosa

A expansão da indústria química no Brasil e no mundo passa necessariamente pelo desenvolvimento da biotecnologia, a aplicação de tecnologia a organismos vivos e derivados para criar ou modificar produtos e processos de produção. “Se a mecânica marcou a Era Industrial no século XIX e a química e a física definiram o século XX, agora é a biologia que trará os avanços, com a criação de produtos de base biológica provenientes da indústria química”, diz Eduardo Giacomazzi, coordenador do Comitê da Cadeia Produtiva de Biotecnologia (Combio) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O Brasil, porém, enfrenta limitações nessa área e vem perdendo a chance de aproveitar a farta biodiversidade que se destaca na criação de produtos e processos inovadores.

“Temos evoluído mais na pesquisa de novos processos para desenvolver produtos já existentes”, diz Mariana Doria, gerente de Tecnologia e Inovação da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). No estágio atual da indústria brasileira, o foco maior está na substituição de processos químicos tradicionais por biotecnológicos, que permitem fazer os mesmos produtos com maior eficiência, menor cuto e impacto no meio ambiente. “A partir da biotecnologia é possível programar um organismo geneticamente modificado para produzir determinada molécula dentro de reatores, de maneira mais segura, como se fossem uma pequena indústria.” Ela diz que não há um dado preciso sobre investimentos específicos em biotecnologia, mas afirma que a área está na base dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) da indústria química, que fornece matérias primas para praticamente todos os setores industriais.

Estatísticas recentes de pedidos de patentes – considerando que os registros ficam em sigilo durante um ano – mostram que o Brasil tem uma participação ínfima em inovação biotecnológica no cenário internacional. Segundo a professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora permanente da pós-graduação da Escola de Química da UFRJ, Adelaide Maria de Souza Antunes, levantamento realizado em junho no Derwent Innovations Index mostrou que, dos 3.611 depósitos de patentes de processos feitos em 2012 na categoria “prioridade”- primeiro depósito da patente -, o Brasil apareceu com oito, enquanto a China tinha 2.076 e os Estados Unidos, 535. Em produtos, dos 11.825 pedidos, o Brasil respondeu por dez, enquanto a China apareceu com 6.244; os Estados Unidos, com 2.315; o Japão, com 1.122; a Europa tem 355 e a Índia, 79. Um dos motivos, segundo a professora, é que nos países mais avançados a legislação permite patentear muitas inovações que não não podem ser patenteadas no país, conforme a Lei de Propriedade Industrial (nº 9279/96).

“Enquanto isso, há muitos produtos biotecnológicos trazidos de fora que não são patenteados no Brasil e poderíamos copiar legalmente, adquirindo conhecimento e avançando tecnologicamente. Mas não estamos nem nesta etapa, pois não temos estrutura nem para copiar. Temos muitos pesquisadores, empresas e incubadoras excelentes de startups, mas falta investidor”, diz. A burocracia e a demora na concessão de patentes, hoje em torno de 12 anos, também são fatores de desestímulo a inovações, principalmente em relação a produtos, que exigem investimentos muito mais pesados em P&D e nas plantas industriais, sem a garantia de que a propriedade intelectual será reconhecida. “Avançamos bastante em áreas como energia e agricultura. Mas estamos bastante atrasados, por exemplo, no segmento de novos materiais para vários setores, como o têxtil e de construção, que já estão ‘voando’ lá fora”, diz Giacomazzi.

Segundo Gilberto Soares, consultor da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina) e ex-secretário técnico em Biotecnologia da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal, o Brasil despertou para a importância da biotecnologia há mais de 30 anos, mas, de lá para cá, uma sucessão de crises econômicas e políticas desviou o foco da área em alguns períodos, enquanto mudanças de governos levaram a reposicionamentos estratégicos, o que impediu o país de desenvolver um plano de longo prazo. Falta no país, segundo ele, uma política de Estado, não de governo. “Perdemos uma oportunidade. Ficamos todos estes anos deitados eternamente em biodiversidade esplêndida'”, afirma.

O desenvolvimento da biotecnologia também emperra nos trâmites burocráticos e restrições à pesquisa de patrimônio genético determinados pela Lei de Acesso à Biodiversidade, regulamentada pela MP 2186/2001. “O marco regulatório é um gargalo”, admite o secretário de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Nelson Fujimoto. “Mas nos últimos três anos trabalhamos na elaboração de um projeto de lei para melhorar esses mecanismos e a proposta já está no Congresso.” O projeto 7735/2014 prevê a revisão da MP 2186. “Uma das grandes vantagens é que as instituições, empresas e pesquisadores não necessitarão mais de autorização, mas apenas de um registro para terem acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento indígena ou tradicional”, explica Fujimoto.

A legislacão dificultou alguns pedidos de patentes de biotecnologia, segundo o diretor de Patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Julio Castelo Branco Reis Moreira. “Nem sempre o depositante tem acesso às informações e os pedidos ficam parados até que sejam fornecidas. Há casos de depositantes multados por suposto acesso indevido, em vista das informações prestadas, o que vinha causando muita insegurança jurídica.” Segundo ele, as mudanças deverão contribuir para acelerar os processos.

Valor Econômico, 17/12/2014