Austeridade mata

A radicalização de um programa de governo focado no ajuste fiscal, com o congelamento por 20 anos dos gastos primários, trará como resultados redução da renda das populações mais vulneráveis, aumento de desemprego estrutural e do trabalho precarizado, desmantelamento de direitos, criminalização da pobreza e desmonte das políticas sociais — onde a saúde e educação são as mais afetadas. Para sustentar o discurso da crise, propõe-se a austeridade, que justifica toda sorte de atrocidades, desde a financeirização da vida e de todos os processos econômicos, além da prevalência da oferta de serviços privados em detrimento do não funcionamento do público. Para dar sustento a essa dita austeridade, foi divulgada em novembro a síntese de um documento produzido pelo Banco Mundial sob o título “Um ajuste justo – análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, que avalia que as três esferas de governo no Brasil gastam mais do que podem em saúde (pag. 18). Este relatório sofreu severas críticas de pesquisadores e foi resumido como “simplismos, reducionismos e economicismos da pior espécie” pelo economista José Cardoso Junior.

Na esteira da austeridade, que reduz investimentos nas políticas públicas, nos determinantes sociais, nos baixos ou em nenhum investimento em saneamento básico e saúde — como ocorre em muitos lugares, notadamente nos mais pobres — estão a proliferação das epidemias de doenças transmitidas por vetores, que encontram campo fértil nos lixos, na ausência de água tratada, nas valas e rios putrefatos e na desorganização urbana. No agravamento deste quadro estão o desmantelamento das equipes de saúde da família, fechamento de hospitais e centros de saúde, desestruturação de prevenção e monitoramento. Hoje, o Brasil volta a conviver com doenças que eram combatidas no início do século passado, com as mesmas tecnologias de mais de um século atrás: destruir os focos dos mosquitos casa a casa, como resumiu o pesquisador da Fiocruz, Rivaldo Venâncio, em entrevista nesta edição.

Relações machistas e sexistas ferem os direitos das mulheres e foram em boa hora denunciadas na cerimônia da entrega do Globo de Ouro, nos Estados Unidos, com protesto de muitas atrizes que se uniram para dar um basta neste tipo de comportamento na indústria cinematográfica. Nas palavras da apresentadora Oprah Winfrey, que liderou o protesto, “os tempos estão mudando”.

No Brasil, onde é registrado um estupro a cada 11 minutos, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, é fundamental que cada vez mais as mulheres sejam capazes de denunciar qualquer tipo de abuso sexual e de assédio que tenham sofrido — no trabalho, na escola, em casa ou nos meios de transporte — tendo a garantia de que serão ouvidas, acolhidas, protegidas, reconhecidas e respeitadas, como vítimas que são. Aqui, como lá, é preciso um BASTA.

Paixão, envolvimento, comprometimento e respeito são palavras comuns nas quatro histórias contadas pela Radis, para mostrar os bastidores do trabalho de alguns profissionais que também representam milhares de outros que atuam na saúde e muitas vezes sequer são percebidos, mas que cumprem um importante papel, não só para fazer fluir atendimentos, mas também para humanizá-los. Muito bom saber que mesmo diante de tantos ataques, atrasos nos salários e precarização do trabalho, a saúde pode contar com toda essa gente que é capaz de se sensibilizar com a dor do outro.

Na quarta capa da revista, a pergunta: Quanto vale sua Saúde? Se podemos dizer que ela não tem preço, também podemos dizer: Basta, porque austeridade Mata!

 

Fonte: Radis