Democracia: qual futuro?

“A democracia representativa deve se tornar o sistema político com o falecimento mais prematuro já registrado entre as formas de organização e cooperação humana ao longo dos milênios”, disparou o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos durante o debate “Democracia: qual futuro?”, realizado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE) como parte da série Futuros do Brasil. Na conferência, transmitida on-line na quarta-feira, dia 7 de dezembro, o pesquisador titular do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj) contextualizou historicamente a construção da democracia e analisou o atual momento vivido no Brasil e no mundo, qualificando-o como “ameaçador e imprevisível”.

Leia a entrevista com o professor Wanderley Guilherme dos Santos: “Cenários futuros para a Saúde e o País”.

A primeira premissa derrubada por Santos foi a de que a democracia é um modelo antigo e natural. De acordo com o palestrante, esse sistema político é sustentado por, pelo menos, duas dimensões que deveriam ser consideradas imprescindíveis. “Uma delas é a existência de eleições a prazos regulares, com livre competição, múltiplos candidatos e resultado aceito pelos perdedores. A outra é o direito de participação na escolha dos representantes por todos os membros adultos da comunidade. Essas são as duas condições mínimas para o pleno exercício da democracia e são muito recentes no contexto mundial”, explicou.

Durante a conferência, Santos lembrou que discursos e publicações fazem referência a uma democracia clássica inglesa existente no século XIX e que os Estados Unidos celebraram seus 200 anos de democracia. Mas ressaltou que, em nenhum dos casos, houve respeito às duas condições mínimas por ele descritas. “A participação da população – quer como candidata a representante, quer como eleitora – estava restrita a cerca de 3% da sociedade. Havia exigências em relação a renda, gênero, idade, estado civil. O que vigorava era uma oligarquia representativa”, declarou Santos.

De acordo com o cientista político, o alargamento dos direitos de participação só viria a ocorrer em 1832, quando houve uma grande reforma que reduziu a renda necessária para o cidadão inglês participar do jogo político. O voto censitário só terminaria para os homens brancos, na Inglaterra, em 1919, e as mulheres só adquiririam o direito ao voto em 1923 naquele país. “O sufrágio na América Latina surgiu após a Segunda Guerra Mundial. Em geral, fora parte da África e do mundo Árabe, a democracia de certa maneira se universalizou após 1989, com a queda do Muro de Berlim. É muito recente”, avaliou o cientista político.

Crise da democracia

Santos contextualizou historicamente o início da crise das democracias – não apenas as mais recentemente instaladas, mas também as consideradas clássicas. Um marco histórico, segundo o professor, é a queda das Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, quando foi instituído o Ato Patriótico, “a mais extraordinária, eficaz e aceita subversão da constituição norte-americana”, nas palavras do cientista político. “A reformulação das negociações entre o poder e o cidadão estabelece que, em certas situações, os direitos políticos e civis sejam suspensos no país. Funciona como um estado de sítio em potencial permanente. Quem decide quando é oportuno ou não instaurá-lo são os executores”, esclareceu.

O pesquisador reconheceu que não tem sido fácil encontrar fórmulas que absorvam essa problemática contemporânea de maneira satisfatória. “Uma das consequências da crise, do ponto de vista da participação cívica, é o retorno a formas autoritárias. O recrudescimento dessa marcha ocorre antes mesmo de a democracia alcançar a universalização global, como ocorreu com outros modelos de organização política. Ou seja, antes da democracia representativa chegar à maturidade”, analisou.

O cientista político ainda não enxerga propostas capazes de fazer o Brasil retornar à rotina constitucional. “Nem mesmo eleições diretas podem solucionar a atual situação, porque ninguém tem condições de governar este país hoje. Essa onda emana um vapor, que precisa se dissipar. Isso leva tempo”, concluiu Santos.

Renata Leite
Saúde Amanhã
12/12/2016