Os desafios do financiamento da saúde em um contexto neoliberal

A segunda rodada dos seminários “Brasil Saúde Amanhã”, realizada no último dia 12, abordou o tema Gasto público e privado em saúde no Brasil: o que se pode esperar para 2040-50. Os palestrantes trataram da tendência de crescimento dos gastos no setor e a necessidade de se pensar na capacidade de o Estado atender à crescente demanda por saúde, gerada, principalmente pelo envelhecimento da população, pelo crescimento econômico dos países e pelas consequências da pandemia da Covid-19. O debate foi mediado pelo sanitarista José Carvalho de Noronha, coordenador adjunto da Iniciativa Saúde Amanhã, e está disponível ao público no canal VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz no Youtube. A iniciativa é vinculada à Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e tem como objetivo desenhar cenários para o setor da saúde nos próximos 20 anos.

A mesa foi composta pelos economistas Mirian Martins Ribeiro (UFOP), Rudi Rocha de Castro (FGV-SP), Rosa Maria Marques (PUC-SP), como palestrantes, e pela economista e demógrafa Ana Amélia Camarano (Ipea) e pela sanitarista Fabiola Sulpino Vieira (Ipea), como debatedoras. 

Miriam Martins Ribeiro apresentou a metodologia e os primeiros resultados do trabalho sobre as perspectivas dos gastos com saúde diante do envelhecimento da população que está sendo realizado no âmbito do Saúde Amanhã, em parceria com os economistas Laura Botega (SES/ MG), Fernando Gaiger Silveira (IPEA), Luciana Servo (IPEA), Theo Ribas Palomo (FEA/ USP) e Arthur Velle (Unicamp). O estudo mostra que o envelhecimento da população brasileira vai pressionar os gastos do SUS, fazendo com que somente no grupo de idosos esses números aumentem em mais de 100% em 2040, em relação a hoje. Já no grupo das crianças de 0-4 anos haverá uma redução de 34% dos gastos, que, no entanto, não servirá para contrabalançar o aumento registrado no grupo de idosos, já que os procedimentos nessa faixa etária são mais baratos. Esses resultados preliminares são exemplo, segundo Miriam, da necessidade da desagregação dos gastos por função de saúde, levando em conta faixa etária e gênero, para ser possível uma projeção dos gastos com saúde em 2040.

Rudi Rocha de Castro ponderou que é impossível pensar no futuro da saúde, sem pensar em como financiá-lo. Ele lembrou que o crescimento econômico é um fator importante para o impulsionamento dos gastos no setor, e que os países dependem dele para diluir a pressão que o envelhecimento da população faz sobre a demanda por saúde. “Quando os países tem capacidade de fazer isso, eles investem mais em saúde pública não apenas para garantir equidade, mas também eficiência. Todo mundo sabe que este setor é cheio de assimetria de informação e então os governos entram pesado”, disse Rudi, citando estimativas que dão conta de que os gastos globais com saúde pularão dos atuais US$ 10 trilhões para US$ 24 trilhões em 2040. Ele lembrou ainda que o patamar de gastos do Brasil está alinhado, proporcionalmente ao PIB, com o dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas somente se os gastos privados forem somados aos públicos. Ele alertou ainda que, se o Estado não praticar aumentos reais no montante de seus investimentos em saúde, o gasto púbico será de apenas 20% do total no país, quando hoje está na casa dos 40%, o que colocaria o Brasil no mesmo patamar dos países da África subsaariana.  

Rosa Maria Marques defendeu que a pandemia da Covid-19 provocou uma nova significação em parte da saúde, para além da discussão que mobilizava o setor em torno da meritocracia e do direito universal, que passa a ser uma política de Estado, a ser gerida por governos, independente se eles seguem ou não as políticas neoliberais. A entrada de um montante enorme de capital no setor da saúde, não significa, segundo ela, o fim do neoliberalismo. “Não pode haver fim do neoliberalismo se persiste a dominância do capital financeiro”, explicou, dizendo que o que caracteriza o neoliberalismo não é o Estado mínimo, mas a natureza das políticas que abrem espaço para a acumulação de capital naquilo que antes era, pelo menos nos países centrais, da competência do Estado. Rosa disse ainda que a pandemia deixou claro um processo de especialização da produção em determinados países que enfraquece a capacidade de resposta de quem está fora desse grupo frente a determinadas situações, lembrando que a Covid, que provocou uma queda de 3,4% do PIB mundial, não será a única pandemia nos tempos de globalização. “Daí que surge a ressignificação de parte da saúde”, disse, explicando que esse temor do capital favorece a reindustrialização do setor e investimentos em pesquisa e em desenvolvimento em saúde, para se obter respostas mais breves a essas crises e garantir a coesão social e a soberania nacional.

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