Perspectiva territorial e acesso ao sistema de saúde

O Brasil vem experimentando importantes transformações em seus componentes demográficos, como a queda nas taxas de natalidade e o envelhecimento da população, fatores que desafiam as políticas públicas em Saúde. Essas mudanças, entretanto, não ocorrem de forma homogênea em todo o país, cuja dimensão continental é combinada a uma configuração espacial diversa em relação a renda, cultura e oferta de serviços básicos. A complexidade faz com que a rede Brasil Saúde Amanhã se debruce, com frequência, sobre a questão territorial em seus estudos prospectivos de futuro. O enfoque ganhou destaque no segundo painel do seminário “Iniciativas em Prospecção Estratégica Governamental no Brasil”, que contou com a participação de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Os palestrantes apresentaram resultados de levantamentos que apontam iniquidades e as distorções que ocorrem no âmbito da distribuição e do acesso a serviços de saúde. “Desenvolver estudos de prospecção estratégica e trocar conhecimentos e experiências sobre o processo, como fizemos hoje, é uma das atividades mais importantes a que instituições públicas que tratam da formulação e execução de políticas públicas, como a Fiocruz, podem se dedicar. É preciso compreender o futuro para que possamos iluminar os caminhos do presente”, analisou o moderador do painel, Antonio Ivo de Carvalho, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

O projeto

A rede Brasil Saúde Amanhã representa justamente esse esforço de prospecção estratégica da Fiocruz, no horizonte móvel de 20 anos. Embora o grau de previsibilidade seja extremamente variável, o projeto parte da premissa de que existem cenários limitados de possibilidades. “Seguimos a ideia de cone de futuros, de Voros, que aponta os horizontes de probabilidade, plausibilidade e preferibilidade. Nossos estudos prospectivos consideram três cenários: inercial e provável; desejável e possível; pessimista e plausível”, explicou, no seminário, o pesquisador José Carvalho de Noronha, coordenador executivo do projeto Brasil Saúde Amanhã.

A iniciativa considera também o horizonte de viabilidade, ou seja, a possibilidade de realização de mudanças no Brasil, tanto para construir quanto para destruir. Nos dois casos, há limites impostos por barreiras de difícil superação. “Trabalhamos com duas grandes linhas metodológicas. Uma é a análise de tendências, que consiste em olhar para o passado para estimar o comportamento futuro. Outra é o que chamamos de rastreamento de horizontes, que se refere a uma metodologia mais fluida, que inclui desde o uso de ferramentas tecnológicas de processamento de dados até análises de especialistas, ou outros instrumentos que organizem as informações”, acrescentou Noronha.

Iniquidades no acesso

Uma das importantes fontes de dados para a elaboração de estudos de futuro no âmbito do projeto Brasil Saúde Amanhã é o IBGE. Com base nas informações do Instituto sobre demografia é possível fazer previsões com graus bastante razoáveis de precisão. Foi com a ajuda dos levantamentos do órgão que Maria Monica Vieira Caetano O’Neill Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira e Maurício Gonçalves e Silva, pesquisadores do IBGE e palestrantes no seminário, puderam analisar os possíveis futuros das assimetrias nos fluxos de internações para procedimentos de alta e média complexidade e na oferta desses serviços no país.

O tema foi trabalhado no estudo “Dinâmica Demográfica e Distribuição Espacial da População: o acesso aos serviços de saúde”, que é um dos textos para discussão disponíveis no portal Saúde Amanhã. “Em relação à oferta de serviços de saúde, constata-se distribuições assimétricas e a desarticulação do sistema, o que se reflete na reduzida acessibilidade e na baixa capacidade de atendimento a demandas mais complexas. Esse cenário leva a população a percorrer distâncias muitas vezes grandes para ter acesso a um serviço especializado”, pontuou Monica, durante o evento.

O estudo realizou estimativas populacionais, tendo como horizonte o ano de 2030. Os pesquisadores consideraram o crescimento vegetativo e o comportamento migratório das populações. “Bens e serviços distribuídos desigualmente contribuem para a estruturação de redes de cidades de diferentes hierarquias. Uma vez que o cenário para os próximos 20 anos sinaliza estabilidade no crescimento populacional na maior parte das regiões de articulação – com um número reduzido áreas atraindo população e outras poucas vivendo evasão -, é provável que haja maior segurança para o planejamento. É importante combinar a transição demográfica e a acessibilidade com a presença de serviços de saúde selecionados para os segmentos etários escolhidos segundo as regiões imediatas de articulação urbana. Também deve-se identificar as áreas com vazios de serviços de saúde, mas com facilidade de acesso, de forma a potencializar a implantação de equipamentos”, observou Monica.

Abordagem do território

“O valor dos estudos prospectivos está exatamente em seu uso como norteador das políticas públicas”. A avaliação é de Leandro Freitas Couto, pesquisador do Ipea que durante o seminário analisou experiências do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em prospecção estratégica do futuro. O estudo em questão buscou identificar uma carteira de investimentos (oportunidade de negócios) para a estratégia de desenvolvimento territorial de longo prazo, no âmbito do Governo Federal, em um contexto de estagnação ou baixo nível de investimento público.

“O diferencial é que, em outras experiências, não foram considerados o papel das cidades nas dinâmicas de desenvolvimento e nem as perspectivas territoriais das políticas públicas. Iniciativas como a Política Nacional de Desenvolvimento Regional e a Câmara de Políticas de Desenvolvimento Regional e Integração Nacional começaram a ganhar corpo a partir dos anos 2000, adequando as políticas públicas às especificidades dos territórios e reconhecendo a necessidade de estabelecer o diálogo federativo em planejamento e de ampliar os espaços de participação social”, concluiu Leandro.

Equipe Brasil Saúde Amanhã, 01/08/2016