SUS: democracia, Atenção Básica e caminhos para o futuro

“O remédio para a crise pela qual passam o setor Saúde e a sociedade brasileira é o fortalecimento da democracia e da participação social no Sistema Único de Saúde (SUS)”. Com esta convocação, o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ronald Ferreira dos Santos, deu início ao seminário “Os desafios para Atenção Básica no SUS”, dia 9 de agosto, na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), que discutiu a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). A reunião histórica do CNS no Rio de Janeiro, realizada em meio às comemorações pelo centenário de Oswaldo Cruz, mobilizou mais de mil pessoas, que acompanharam as discussões no auditório, no telão externo e em tempo real pela internet.

“Escolhemos fazer a reunião extraordinária do CNS sobre a PNAB no formato deste seminário em razão da necessidade de discutir amplamente com pesquisadores, conselheiros de saúde, agentes comunitários e trabalhadores do SUS as novas propostas para o futuro da Atenção Básica no Brasil”, apresentou Ronald.

Para o diretor da Ensp/Fiocruz, Hermano Castro, a revisão da PNAB ocorre em um momento histórico e marcará uma posição muito importante no cenário político do país. “O que está em curso, hoje, é o desmonte do SUS, a transferência de recursos públicos para o setor privado. E isso tem que ficar claro para a sociedade, em termos técnicos e políticos. Esta não é a primeira vez que a Fiocruz está em luta pela democracia, em defesa do SUS”, afirmou durante a mesa de abertura.

O chefe de gabinete da Presidência da Fiocruz, Valcler Rangel, resumiu a proposta do encontro: “Estamos aqui para colocar de forma contundente para a sociedade que saúde não é mercadoria, saúde é direito. Garantir a continuidade da PNAB na perspectiva da universalidade, da equidade, da integralidade e da participação social é nosso dever”.

 

Uma nova Atenção Básica para o Brasil?

 

A revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) é defendida pelo Ministério da Saúde sob a justificativa de ampliar e aprimorar a atenção à saúde da população e a organização do cuidado no SUS. Para os críticos da proposta, a medida colocará em xeque o modelo de Estratégia Saúde da Família, a autonomia de Agentes Comunitários de Saúde e abrirá espaço para os “planos de saúde populares”.

Ligia Giovanella, pesquisadora da Ensp/Fiocruz, lembrou que o Brasil é referência internacional na implementação do modelo de Atenção Primária à Saúde abrangente e integral, alinhado à concepção de saúde desenvolvida na Conferência de Alma Ata. Em relação aos desafios para o futuro, alertou: “O fortalecimento da Atenção Básica e da Estratégia Saúde da Família é a melhor resposta que podemos dar às demandas de saúde colocadas pelo envelhecimento da população e o aumento da carga de doenças crônicas. Por isso, defendemos um sistema de saúde público, universal, de qualidade, orientado pela Atenção Básica”.

Em seguida, Marcia Valéria Morosini, professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), apontou os riscos da proposta de revisão da PNAB para os trabalhadores do SUS. “A medida reforça a conjuntura de retirada de direitos que estamos vivendo. O que este movimento deseja é destruir o SUS, a partir da Atenção Básica. E nós, que atuamos em defesa do SUS, devemos nos perguntar: vamos construir uma nova Atenção Básica na perspectiva de longo prazo, que nos ajude a caminhar na direção de um SUS universal e integral, investindo na formação dos trabalhadores, na revisão dos processos de trabalho, na reorientação do modelo de atenção? Ou vamos sucumbir à pressão do imediatismo, dos problemas que são urgentes hoje e tendem a continuar urgentes no futuro próximo, se o sistema de saúde estiver dirigido e organizado pela lógica privatista que entende a saúde como mercadoria?”.

O financiamento setorial e o pacto federativo foram abordados pela pesquisadora da Ensp/Fiocruz Luciana Dias de Lima, colaboradora da rede Brasil Saúde Amanhã. “Não será possível avançar no aprimoramento da Atenção Básica se não superarmos entraves persistentes de nosso sistema de saúde, como o subfinanciamento crônico. Este desafio é colocado pelo próprio caráter do SUS: um sistema de saúde nacional, universal, de implantação descentralizada, que se realiza em uma federação trina, diversa e desigual”, afirmou.

 

Democracia e participação social

 

Representando o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Andreia Passamani defendeu a proposta de revisão da PNAB: “A Estratégia Saúde da Família é o modelo prioritário de atenção à saúde no Brasil e continuará sendo. Nosso desejo é que este modelo contemple 100% do território nacional. Mas, enquanto não atingirmos este patamar, precisamos olhar para outros modelos de atenção – que igualmente privilegiem o território, segundo suas características epidemiológicas e pelo olhar dos profissionais que ali atuam”.

Andreia afirmou, ainda, que a construção da proposta ocorreu de forma democrática, com a participação de gestores de saúde – em encontros do Conasems, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e de Conselhos de Secretários Municipais de Saúde (Cosems) de todo país – e da população, por meio de consulta pública.

A assessora do CNS Liu Leal, criticou este percurso, apoiada pelos Agentes Comunitários de Saúde presentes. “A participação social é um princípio organizativo do SUS e deve ser respeitada em sua plenitude. Deve envolver toda a sociedade, toda a comunidade do SUS, e não somente alguns fóruns de gestão, como aconteceu com esta proposta. Uma consulta pública, para ser efetiva, deve estar disponível por, pelo menos, 60 dias”, apontou.

Liu, que também é membro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), finalizou a série de apresentações com a célebre fala de Sergio Arouca: “O projeto da Reforma Sanitária é um projeto civilizatório, que, para se organizar, precisa ter dentro dele valores que nunca devemos perder, pois o que queremos para a Saúde, queremos para a sociedade brasileira”.

 

Bel Levy
Saúde Amanhã
14/08/2017