A difícil equação entre política e economia para vencer a desigualdade brasileira

Diante de números escandalosos que dão conta das desigualdades no mundo capitalista contemporâneo, especialistas convidados para o seminário Pobreza e desigualdade no Brasil: caminhos para superá-las, promovido pela Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e pela Iniciativa Saúde Amanhã, apontaram um caminho difícil para a construção de uma sociedade mais justa no Brasil. Eles concordaram que o fortalecimento do Estado é essencial nesse processo e apontaram uma complexa equação entre políticas públicas, novas regras de tributação que incidam sobre grandes fortunas, condições políticas para enfrentar os lobbies de setores privilegiados e tempo para reverter a desigualdade brasileira.

A socióloga Kátia Maia, diretora Executiva da Oxfam-Brasil, abriu os debates com uma pergunta sobre o que marcou a vida dos cinco homens mais ricos do mundo e dos cinco bilhões mais pobres nos últimos três anos. “Os cinco primeiros tiveram sua fortuna dobrada e os cinco bilhões ficaram ainda mais pobres”, respondeu em seguida, afirmando que as desigualdades vêm aumentando de uma forma extrema, o que dá aos super-ricos e suas corporações o poder de determinar a vida no mundo. “Isso nos causa repulsa”, disse, afirmando que para a Oxfam, é muito importante mostrar em seus relatórios que nunca houve uma desigualdade tão extrema quanto a vivida hoje depois da epidemia da Covid-19 e da prevalência das grandes empresas monopolistas. Ela lembrou que a situação é tão grave que instituições multilaterais, como o Banco Mundial, também têm feito alertas sobre a violência advinda dessa injustiça social. Katia concluiu dizendo que para reverter esse quadro é preciso fortalecer o Estado, para que sejam promovidas políticas de seguridade social e de enfrentamento aos monopólios. “Precisamos de uma economia que esteja em função do conjunto da sociedade e que o ajuste fiscal não seja a prioridade, porque a prioridade são as políticas públicas. A solução passa pela política, pelo estado, pelos governos e pela mobilização da sociedade”, concluiu.

O sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador sênior na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, que lançou recentemente o livro Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade, pela Cia das Letras, disse, por sua vez, que não é fácil chegar ao ponto de desigualdade que o Brasil chegou e que, por isso, será necessária uma difícil combinação de fatores para reverter esse cenário. “Tem que fazer força para se chegar ao nível de desigualdade do Brasil, tem que haver medidas ativas que gerem desigualdade e, para reverter tudo isso, é complicado”, disse, alertando que não há uma bala de prata para vencer as desigualdades existentes no país. Para ele, será necessário um conjunto enorme de políticas públicas contra a desigualdade, “que vai custar muito dinheiro e vai consumir um capital político gigantesco, porque esse esforço vai enfrentar de frente conflitos distributivos e deve-se esperar reações de todos os lados”. Marcelo lembrou que toda política é social por gerar impacto social e, por isso, defendeu que o combate às desigualdades esteja sempre no centro das políticas públicas, o que implica em se perguntar a quem elas favorecem, quem vai ganhar e quem vai perder com elas. Essa questão, segundo ele, deve estar presente inclusive nas discussões sobre o crescimento econômico. “Em uma sociedade de propriedade privada o país não cresce, quem se apropria do crescimento são as pessoas e o estado fica com uma parcela pequena disso. É completamento diferente ter uma taxa de crescimento pró-ricos e pró-pobres, a taxa é a mesma mas os resultados são distintos”, concluiu.

A economista Sulamis Dain, colaboradora da Iniciativa Saúde Amanhã e professora titular aposentada do Instituto de Medicina Social da UERJ, encerrou o seminário dizendo que uma Reforma Tributária que taxe os super-ricos não será o bastante para o Brasil vencer as desigualdades, porque os mais pobres dependem de outras políticas tributárias para se tornar menos pobres e, ainda assim, serão penalizados com a incidência de impostos indiretos sobre o consumo. Ela defendeu que se pense em políticas de redistribuição de renda, juntamente com mudanças nas regras tributárias, e, para isso, é preciso, segundo ela, que se agregue à discussão do combate às desigualdades questionamentos sobre a política fiscal, os gastos públicos e a gestão orçamentária. Sulamis alertou que é necessário levar em conta “os limites e limitações do atual regime fiscal sustentável para o futuro da proteção social e de um desenvolvimento inclusivo, condição sine qua non para a superação da pobreza e da desigualdade”. Ela perguntou ainda como é possível conceber políticas sociais capazes de promover proteção social e combater a pobreza em um contexto restritivo de gasto público, que impede, inclusive, o crescimento econômico do país.

O seminário foi realizado no dia 26 de fevereiro e aberto pelos sanitaristas Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, e José Carvalho de Noronha, coordenador adjunto da Iniciativa Saúde Amanhã, e moderado pelo também sanitarista Leonardo Vidal Mattos, pesquisador do Saúde Amanhã.