O desafio é pensar saídas para a crise do neoliberalismo

Entrevista com Leonardo Castro

O cientista social Leonardo Castro, coordenador executivo da Iniciativa Saúde Brasil Amanhã, faz um balanço dos 13 anos de trabalho do projeto que resultaram em 12 livros, dezenas de seminários e mais de uma centena de estudos publicados. Ele destaca que iniciativas de prospecção estratégica para cenários do Sistema Único de Saúde (SUS), como o Saúde Amanhã, se mostraram importantíssimas após a pandemia da Covid-19, que exigiu respostas rápidas para um cenário epidemiológico complexo. “Creio que a grande contribuição do Saúde Amanhã está na tentativa de produzir uma visão de conjunto, que integre as diversas visões parciais ligadas a disciplinas e a áreas de prática diferentes. Neste sentido, os prognósticos que nós produzimos são necessariamente também diagnósticos, que precisam ser rigorosos e bem circunstanciados para que seja possível identificar as varáveis-chave e as tendências principais”, explica Castro. Ele vê com otimismo a nova gestão da Saúde no Brasil em sua tarefa de recuperação dos estragos causados ao SUS pelo governo anterior, destacando a competência da atual equipe do Ministério da Saúde e lembrando que mecanismos de participação popular e o compromisso dos profissionais de saúde com o sistema o preservaram de prejuízos irreversíveis. A tarefa que se impõe à sociedade, neste momento, com a qual o Saúde Amanhã está comprometido, é, segundo Castro, encontrar saídas para a crise do neoliberalismo e para as questões ambientais e evitar assim “uma catástrofe ambiental, que será também uma catástrofe humanitária”.

Por Luciana Conti

A inciativa Brasil Saúde Amanhã completa 13 anos de prospecção estratégia para a construção de cenários para o Sistema Único de Saúde (SUS). Olhando retrospectivamente, como o senhor vê essa contribuição para os debates sobre a saúde pública no Brasil e os desafios que a iniciativa tem para a próxima década?

O Saúde Amanhã completará 13 anos em 2023; é sem dúvida uma trajetória vitoriosa, com uma produção intensa – 12 livros, dezenas de seminários realizados e mais de uma centena de estudos publicados, entre textos para discussão e relatórios de pesquisa. O projeto começou com um grande estudo prospectivo sobre a saúde em 2030 e a partir de 2017 está vinculado à Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, coordenada pelo Paulo Gadelha. Aliás, deve-se destacar, a iniciativa foi criada na gestão do Paulo Gadelha na presidência da Fiocruz. O Paulo e o [José] Noronha – que foi durante anos coordenador executivo e hoje está como coordenador adjunto – são os “pais” do Saúde Amanhã e continuam sendo os grandes inspiradores e líderes do projeto. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável passam a ser um referencial importantíssimo para o Saúde Amanhã e, claro, passamos a estender nosso olhar – nosso “horizonte prospectivo” – para além de 2030.

Mas eu gostaria de iniciar com algumas reflexões sobre o período mais recente e, em especial, sobre a pandemia, porque ela foi – na verdade, está sendo – um ponto de inflexão fundamental na saúde global e, claro, no Brasil, e teve um grande impacto no nosso projeto, mas também porque é um ótimo exemplo do quanto o trabalho de prospecção é necessário e, ao mesmo tempo, difícil. Especulava-se bastante sobre a possibilidade de novos surtos com potencial pandêmico causadas por agentes infecciosos, mas ninguém foi capaz de prever uma emergência com as proporções que teve a Covid-19. Foi um alerta importante, temos que nos preparar para eventos semelhantes que podem ocorrer no futuro próximo. Um aspecto positivo, que precisa ser destacado, foi a boa capacidade de resposta das autoridades sanitárias ao nível internacional e a ação coordenada de pesquisadores e laboratórios em vários países, assim como o esforço e investimento concentrado que permitiu o desenvolvimento em tempo recorde de vacinas com bons níveis de eficácia, inclusive com a introdução e consolidação de uma tecnologia nova – as vacinas de RNA. Esse esforço e as medidas de contenção evitaram uma tragédia de dimensões inimagináveis. Isso fortalece também a ideia da saúde como “bem público” e a necessidade de contarmos com estruturas sólidas de coordenação e governança da saúde em nível supranacional. Mas temos muito o que avançar: basta olhar para o mapa da cobertura vacinal na África para perceber a iniquidade no acesso às tecnologias e a dificuldade de controlar efetivamente a disseminação planetária do vírus. No Brasil a pandemia foi um divisor de águas, em grande parte pela gestão desastrosa da crise pelo Ministério da Saúde, para não mencionar a sabotagem, por parte de importantes autoridades da República, contra as medidas mitigatórias e contra a própria vacinação – paradoxalmente, aliás, porque houve um investimento considerável do governo federal tanto na produção quanto na aquisição de vacinas. O estrago não foi maior por causa da ação de estados e municípios, da resiliência e capilaridade do nosso Sistema Único de Saúde e da grande capacidade tecnológica instalada em laboratórios públicos, como Biomanguinhos e Butantan, que viabilizou a produção local de vacinas graças a acordos bem-sucedidos de transferência de tecnologia.

No Saúde Amanhã havíamos feito um planejamento de médio prazo, ainda em 2019, que tivemos que readaptar. Recordo que nos primeiros meses de 2020 ninguém tinha muita ideia de qual seria o impacto e duração da pandemia, mas pouco depois já sabíamos que duraria meses e mesmo anos – como efetivamente ocorreu. Uma das consequências imediatas foi que todos os nossos eventos, acompanhando a tendência geral, se tornaram remotos com transmissão pela internet e isso teve por resultado uma intensificação da nossa agenda de seminários – para os quais contamos sempre com o apoio inestimável da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz, que também hospeda nossos vídeos na plataforma Youtube. Pode-se dizer que é uma mudança que veio para ficar; certamente teremos alguns eventos presenciais e híbridos na próxima temporada, mas o online tem vantagens indiscutíveis. Fizemos 25 eventos online no período, sobre um leque bastante amplo de temas, que vai do debate sobre o futuro da democracia até os desafios do financiamento do SUS, passando por questões como relações federativas, relação público-privado, complexo produtivo da saúde, segurança alimentar, saúde digital e telessaúde, para ficar apenas em alguns exemplos. Lançamos também três livros digitais em acesso aberto pelo selo Edições Livres, do Icict/Fiocruz – Desafios do acesso a medicamentos, Vacinas e vacinação no Brasil e Economia e financiamento do sistema de saúde no Brasil – e pela editora Letra Capital o volume Metrópole e pandemia: passado e futuro, uma parceria com o INCT Observatório das Metrópoles, que tem edição impressa mas também uma versão digital em acesso aberto. Os seminários geraram mais de cinquenta textos para discussão, todos de altíssima qualidade e todos disponibilizados em formato digital no nosso site. É uma produção considerável, sem dúvida, sem esquecer que os vídeos dos seminários também estão disponíveis em acesso aberto, como eu disse, no canal da VideoSaúde no Youtube.

O ano 2023 inicia com a posse de um novo governo, sustentando por uma ampla aliança que reúne setores da direita liberal, do centro e da esquerda, que se opuseram ao projeto de extrema direita do Governo Bolsonaro. Como, nesse cenário, em que estarão em disputa várias visões de Brasil, uma iniciativa multidisciplinar como a Saúde Amanhã pode contribuir com a consolidação de um sistema de saúde público, universal e equitativo no Brasil?

As expectativas são as melhores possíveis, com acento no termo ‘possíveis’. O novo governo assume em um quadro de sucateamento da gestão, apagão de dados e com passivos das mais diversas ordens, incluindo queda preocupante na cobertura vacinal que traz ameaça do retorno de doenças virtualmente erradicadas como poliomielite e sarampo. Mas, felizmente, o SUS é muito maior, criou-se em torne dele uma cultura de gestão e participação que se mostrou muito resiliente, com um quadro de profissionais muito qualificados e comprometidos, nas três esferas de gestão. Isso nos permite um certo otimismo quanto à capacidade de recuperação rápida dos estragos deixados pelo governo anterior. O SUS não começou ontem e não será quatro anos de desgoverno – nem mesmo um desgoverno negacionista e incompetente – que conseguirão desmontá-lo. Para nós da Fiocruz a expectativa é ainda maior, porque a ministra escalada para a tarefa da retomada é a nossa ex-presidente Nísia Trindade Lima. Nísia é um quadro excepcional, com muitas qualidades – eu destacaria a grande capacidade de diálogo e a liderança que ela mostrou como presidente da Fiocruz, em um período particularmente difícil. E a nova equipe do Ministério da Saúde é igualmente experimentada e qualificada.

A vocação do Saúde Amanhã, desde a sua criação, é olhar para o sistema de saúde e os diversos fatores que o atravessam na perspectiva de médio e longo prazo. Não é tarefa simples, mas temos um grande acúmulo de reflexão que nos permite formar um quadro bastante abrangente, desde macrotendências no campo da geopolítica e da geoeconomia, passando pelas mudanças no cenário demográfico e epidemiológico, desafios da gestão e do financiamento do SUS, as transformações tecnológicas, e os diversos fatores socioambientais que apresentam impacto sobre a saúde. Grande parte do nosso trabalho é atualizar essa perspectiva de médio e longo prazo, considerando mudanças e tendências mais recentes. Por outro lado, questões emergentes como a transformação digital – que tem um impacto gigantesco sobre a saúde em todas as suas dimensões, desde as mudanças nas técnicas produtivas até as formas de relacionamento entre serviços e usuários e as mudanças nas maneiras pelas quais as informações sobre saúde circulam e são compreendidas, passando também pela organização do trabalho ao nível das equipes dos serviços e dos sistemas. Sem esquecer os imensos desafios propriamente políticos do mundo “digitalizado”. Já está mais do que claro que há uma crise profunda das formas de governo representativo na tradição das democracias liberais, e isso afeta diretamente os sistemas de proteção social. Creio que a grande contribuição do Saúde Amanhã está na tentativa de produzir uma visão de conjunto que integre as diversas visões parciais ligados a disciplinas e áreas de prática diferentes. Neste sentido, os prognósticos que nós produzimos são necessariamente também diagnósticos, que precisam ser rigorosos e bem circunstanciados para que seja possível identificar as varáveis-chave e as tendências principais.

Na sua opinião, qual será a principal pauta do setor saúde nesse novo contexto e como ela será tratada pela Saúde Amanhã?

Certamente não será uma única pauta. Na minha opinião, é na convergência entre temas de certa forma “tradicionais” do campo de estudos da Saúde Coletiva, como a relação público-privado, e temas emergentes, como a digitalização, que estão os grandes desafios para o próximo período. O mix público-privado brasileiro é um fortíssimo fator de iniquidade, e não é somente a divisão entre SUS e saúde suplementar. Como se sabe há uma grande segmentação da oferta, além de questões de injustiça tributária. A digitalização pode ser um vetor de aumento da privatização, da segmentação e da iniquidade. Em meio a isso há o otimismo, muito interessado e nada ingênuo, do “solucionismo tecnológico”, que apregoa um futuro cor-de-rosa desde que as empresas de tecnologia tenham ampla margem de ação e acesso a recursos públicos, inclusive dados, com o mínimo de interferência e regulação governamental. Por outro lado, a tecnologia tem muitas possibilidades e potencialidades que podem impactar positivamente áreas estratégicas, como por exemplo a vigilância em saúde. Na Fiocruz temos algumas iniciativas importantes explorando essas potencialidades, como o CIDACS no Instituto Gonçalo Moniz, na Bahia, o projeto Big Data do ICICT, além do Programa de Computação Científica ligado à Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação. É um tema que vem reverberando muito e há muita gente trabalhando com isso em outros centros no Brasil e no mundo. O uso de Big Data em saúde traz uma série de questões sensíveis e relativamente novas relacionadas com segurança, proteção e privacidade de dados, que também precisam ser considerados. São questões que teremos de enfrentar de maneira um pouco mais aprofundada. O Saúde Amanhã criou uma linha de estudos nesse campo, com o projeto “Implicações das Tecnologias Digitais nos Sistemas de Saúde”, coordenado por mim e pelo pesquisador da Ensp Marcelo Fornazin. Já publicamos alguns estudos sobre o tema e vamos explorar alguns desses pontos no próximo período.

Mas não é possível nem justo afirmar que esta é a pauta principal, há desafios imensos como, por exemplo: preparação para epidemias, pandemias e desastres; abuso de substâncias e adições de maneira geral, e questões emergentes no campo da saúde mental; o tema inescapável da vulnerabilidade climática e, nela, as políticas para a Amazônia, por exemplo. A pauta socioambiental em suas muitas dimensões sem dúvida é uma prioridade, e ligada a ela a questão fundamental do modelo de desenvolvimento. Às vezes, meio de brincadeira meio a sério, chamo o projeto de Saúde “se houver amanhã”. Há boas razões para acreditar que, mantido o rumo atual, caminhamos para a catástrofe ambiental, que será também uma catástrofe humanitária.

Por seu caráter multidisciplinar, a iniciativa acabou tornando-se um local de encontro não apenas de pesquisadores da Fiocruz, mas também de diálogo da fundação com outras instituições de pesquisa no esforço de traçar cenários futuros para a saúde pública brasileira. Agora, com o Ministério da Saúde comandando pela Nísia Trindade, esse diálogo pode ser ampliado, com a participação de técnicos do Governo Federal? Que importância teria essa ampliação do diálogo proposto pela iniciativa?

Uma das grandes riquezas do Saúde Amanhã é justamente a multidisciplinaridade e a rede de pesquisa criada e cultivada ao longo da sua trajetória. Pensando na Fiocruz, eu costumo dizer que há um conjunto de expertises estratégicas em áreas diversas que precisamos explorar melhor e desenvolver, mas há também lacunas – expertises que precisamos incorporar e desenvolver, incluindo algumas áreas de conhecimento, por assim dizer, “tradicionais” em que já fomos fortes mas perdemos tração; e há, por fim, expertises que nos interessam, que podem ajudar a formar nossa visão do futuro próximo e aprimorar nossa estratégia institucional, mas que não necessariamente precisamos internalizar. Em todos os casos precisamos de boas parcerias, e este é um dos nossos pontos fortes. Temos trabalhado com grupos de pesquisa de diversas instituições e universidades, como também com técnicos de órgãos de Estado como IPEA e IBGE. Nossa expectativa é aprofundar e ampliar nosso leque de parcerias no próximo período, inclusive retomando algumas conexões que foram descontinuadas – com o BNDES, por exemplo. É claro que isso tem a ver com a mudança de governo. Mas um dos nossos objetivos para o próximo período é trabalhar mais na linha do fortalecimento das capacidades internas, com grupos de pesquisa da Fiocruz.

A ida da Nísia para o Ministério traz algumas responsabilidades e desafios a mais para a Fiocruz, mas o Mário Moreira, que assume a presidência da Fundação, está mais do que habilitado para conduzir o barco. A Fiocruz é uma grande escola de gestão pública e forma quadros de excelência, como é o caso do próprio Mário. Esperamos, também, que sejam tempos menos conturbados, que permitam apontar caminhos para um futuro menos sombrio e uma sociedade mais justa e democrática.

Estão previstos os lançamentos de três livros editados e publicados pela Saúde Amanhã para esse ano de 2023. Eles tratam de que e como foi a escolha desses temas?

Os livros são produto do ciclo de seminários realizados no período da pandemia. O primeiro, sobre segurança e soberania alimentar nutricional no Brasil, já está disponível no Porto Livre, portal de livros digitais em acesso aberto criado pelo ICICT-Fiocruz. É um tema que infelizmente voltou à baila, devido à omissão criminosa do governo que se encerrou recentemente. O livro está muito interessante e não tenho dúvida de que será um marco nos estudos sobre o assunto. Contamos com a participação e parceria de um importante grupo de pesquisadores ligados ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e de outras instituições. O livro seguinte, que também saíra em breve, trata do tema do envelhecimento – ou da longevidade, se preferirem – de uma perspectiva realmente abrangente e multidisciplinar. Os seminários que originaram ambos os livros trazem discussões absolutamente fascinantes e estão disponíveis on-line em acesso aberto. O terceiro livro, Revolução digital e saúde, também é produto de um seminário e traz contribuições muito interessantes, com perspectivas bastante diferentes que certamente contribuirão para o debate sobre o tema. Os três volumes serão publicados pelo já mencionado selo Edições Livres, do ICICT/Fiocruz, e serão publicados no Porto Livre, portal de livros em acesso aberto, também uma iniciativa do ICICT/Fiocruz.

Como você resumiria os objetivos da iniciativa para os próximos dez anos, quando, ao fim desse período, teremos ultrapassado o ano de 2030, escolhido como meta para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela Agenda 2030 da ONU?

Quando a Agenda 2030 foi proposta, em 2015, representou um avanço significativo em comparação com iniciativas anteriores no contexto das Nações Unidas, como os Objetivos do Milênio e mesmo a Agenda 21. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável formam um programa abrangente e ambicioso em seu conjunto e agregam um amplo conjunto de metas que, se tivessem sido efetivamente adotadas e implementadas, poderiam ter, sem exagero, mudado o curso da História. Na verdade, o rol de temas que o Saúde Amanhã vem estudando praticamente desde a criação da inciativa, segue muito de perto os ODS e isso é fácil de constatar pelos assuntos abordados em nossos livros e seminários. Por ouro lado, alguns problemas cruciais ligados, por exemplo, à gestão econômica e às finanças precisam ser tratados de maneira mais compatível com seu impacto. Um objetivo como “emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos” – que, em essência, é o que diz o ODS 8 – não vai ser alcançado sem mudança no atual paradigma de gestão macroeconômica e sem um equacionamento mais justo das finanças globais. A pauta ambiental pode abrir espaço para um rearranjo que seja mais benigno para os países emergentes. Creio que o novo governo brasileiro já está trabalhando nesta direção.

Como eu já sugeri, o futuro dos sistemas de proteção social é indissociável do debate sobre modelos de desenvolvimento e há uma série de fatores geopolíticos e geoeconômicos que limitam os termos desse debate e é mais do que urgente alargar esses limites. A tão falada crise da democracia, cujo sintoma principal é a ascensão da ultradireita, é também um produto da crise do neoliberalismo, ou melhor, de seu fracasso cada vez mais evidente. A ascensão espetacular da China – e não falo aqui das taxas de crescimento elevadas que este país sustenta há décadas, mas, sim, do salto tecnológico recente que colocou a China na fronteira da economia digital – coloca o neoliberalismo em xeque, mas aa verdade é que o modelo chinês não é replicável fora da China, muito menos na América Latina. A questão é mais sobre as oportunidades que se abrem – ou não – para os países emergentes como o Brasil nesse contexto. O fato, porém, é que o mundo pós Guerra Fria, ao contrário do que se propagou,  se tornou mais e não menos instável. O conflito na Ucrânia completou um ano agora em fevereiro, e não há desfecho a vista. A pauta ambiental, nessa conjuntura de escalada da rivalidade geopolítica e da luta por hegemonia, pode ficar em segundo ou terceiro plano, o que seria uma tragédia para a humanidade – se é que esse conceito fará sentido, no futuro próximo. Os efeitos da mudança climática serão dramáticos – e mais dramáticos quanto mais pobres os países e suas populações. O pós-neoliberalismo não será o retorno nostálgico ao estado social ou ao desenvolvimentismo do pós Segunda Guerra Mundial. A crise atual é também uma crise de alternativas. Encontrar saídas é o grande desafio do pensamento prospectivo; espero que possamos estar à altura da tarefa.