O secretário executivo da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL/ONU), José Manuel Salazar-Xirinachs, divulgou o relatório Panorama Social da América Latina e do Caribe 2024: Desafios da proteção social não contributiva para avançar rumo ao desenvolvimento social inclusivo, que revela que a taxa de pobreza regional, que aumentou com a pandemia da Covid-19, foi reduzida a um nível semelhante ao de 2014 e, em 2023, atingiu o menor nível já registrado, mas que a desigualdade de renda ainda permanece alta. Mais de 80% da melhoria de renda se deveu ao que ocorreu no Brasil, país onde vive um terço da população da América Latina e onde as transferências não contributivas foram determinantes. Se a população que vive em situação de pobreza no Brasil não tivesse diminuído, a média regional em 2023, segundo o relatório, teria sido de 28,4% (apenas 0,4 ponto percentual a menos do que no ano anterior) e a incidência de pobreza extrema teria permanecido inalterada em 11,1%.
O relatório também observa que, entre 2022 e 2023, não houve variações significativas nos níveis de desigualdade de renda na região, que permaneceram persistentemente altos. Entre 2014 e 2023, o índice de Gini sofreu uma leve redução de quatro por cento, caindo de 0,471 para 0,452. A distribuição da riqueza é significativamente mais desigual do que a de renda, de acordo com estimativas incluídas no relatório que integram diversas fontes de informação (ativos financeiros e não financeiros) sobre a população latino-americana. Por volta de 2021, os 10% mais ricos concentravam 66% da riqueza total e o 1% mais rico representava 33%.
A porcentagem da população latino-americana em situação de pobreza em 2023 foi de 27,3%, uma queda de 1,5 ponto percentual em comparação ao ano anterior e mais de 5 pontos percentuais em relação a 2020, o ano mais crítico da pandemia. Esse é o valor mais baixo dessa série histórica. Já a taxa de pobreza extrema atingiu 10,6% da população da região, 0,5 ponto percentual abaixo de 2022, mas acima dos níveis de 2014. Apesar dos progressos, ainda há 172 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe sem renda suficiente para cobrir suas necessidades básicas. Dentre elas, 66 milhões não conseguem adquirir uma cesta básica de alimentos. A pobreza continua afetando mais as mulheres do que os homens em idade ativa e a porcentagem de crianças e de adolescentes em situação de pobreza é consideravelmente maior do que a de outros grupos etários. A pobreza também é mais elevada nas zonas rurais (39,1%) em comparação às zonas urbanas (24,6%).
Altos níveis de desproteção social
O Panorama Social da América Latina e do Caribe 2024 alerta ainda que persiste na região altos níveis de desproteção social. Em 2022, um em cada quatro domicílios (23,5%) não tinha acesso à proteção social, contributiva ou não contributiva, em 14 países da América Latina. Essa proporção aumenta para um em cada três lares (36,5%) no quintil de menor renda e nas áreas rurais (29%). A proteção social não contributiva, de acordo com a CEPAL, é essencial para os domicílios no quintil da renda mais baixa, já que uma em cada duas dessas famílias acessa a proteção social dessa forma. Isso significa que as políticas de transferência de renda ou em espécie (como a merenda escolar) e os programas de inclusão no mercado de trabalho são fundamentais para vincular as pessoas aos serviços sociais e, assim, progredir na erradicação da pobreza e na redução da desigualdade. Em 2022, 27,1% das pessoas na América Latina viviam em domicílios que recebiam programas de transferência condicionada. Apesar de seus impactos positivos, em 14 países estudados, seus valores não eram suficientes para cobrir o déficit de renda familiar per capita para alcançar a linha de pobreza.
De acordo com o relatório, em 2023, o gasto social representou 11,5% do PIB na América Latina, um nível muito semelhante aos 11,4% do PIB em 2022. Na América Latina, o gasto público social permanece como o principal componente do gasto público total (53,3% em média em 2023). No Caribe, a participação do gasto social no gasto total caiu para 41,3% em 2023, aumentando ainda mais a diferença em relação aos países latino-americanos. De acordo com a CEPAL, para avançar na erradicação da pobreza é preciso um nível de investimento em proteção social não contributiva entre 1,5% e 2,5% do PIB ou entre 5% e 10% do gasto público total. Em média, os Ministérios de Desenvolvimento Social de 20 países da América Latina e do Caribe gastaram 0,8% do PIB, ou 3% do gasto público total, em proteção social não contributiva em 2022.
Pensões reduzem a taxa de pobreza na velhice
O relatório constata que os sistemas de pensão não contributiva (SPNC) desempenham um papel central na redução da pobreza na velhice. Nos últimos 20 anos, a cobertura dos SPNC entre pessoas com 65 anos ou mais aumentou em mais de 27 pontos percentuais, enquanto a taxa de pobreza nessa faixa etária caiu 14,3 pontos percentuais no mesmo período. “O fortalecimento dos sistemas de proteção social na América Latina e no Caribe, em particular a proteção social não contributiva, é um espaço estratégico para a adoção de uma abordagem integrada que pode ter impactos significativos na redução da pobreza, nas diversas causas da desigualdade e nos baixos níveis de coesão social na América Latina e no Caribe e, portanto, no alcance do desenvolvimento social inclusivo”, observou o Secretário Executivo da CEPAL, José Manuel Salazar-Xirinachs. Segundo ele, é necessário avançar em direção a sistemas de proteção social universais, integrais, sustentáveis e resilientes. Para isso, defendeu o fortalecimento das instituições sociais com capacidades técnicas, operacionais, políticas e prospectivas (TOPP), lembrando que a Segunda Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social em 2025 apresentará oportunidades para enfrentar esses desafios.
Mulheres têm níveis de pobreza mais altos
A edição de 2024 do Panorama Social da América Latina e do Caribe inclui um capítulo sobre proteção social diante da crise de cuidados e do envelhecimento da população, um cenário que exige políticas com uma abordagem de gênero, interseccional e baseada em direitos. Nos próximos 25 anos, a população com 65 anos ou mais na região dobrará (de 9,9% para 18,9%), chegando a 138 milhões de pessoas em 2050. Na faixa etária de mais de 65 anos, se repete a desigualdade de gênero. As mulheres têm níveis de pobreza mais altos do que os homens, mesmo recebendo pensões (contributivas ou não contributivas), mas 70,3% das mulheres não recebem nenhum tipo de pensão e têm rendimentos próprios abaixo da linha de pobreza. A pobreza também é a realidade de 42,6% das mulheres que recebem uma pensão não contributiva. Segundo o relatório, “a divisão sexual do trabalho e a atual organização social do cuidado criam lacunas de gênero que se expressam ao longo do ciclo de vida e nos obstáculos que as mulheres enfrentam para a inclusão laboral e a proteção social”. Assim, em 2022, pouco mais da metade das mulheres da América Latina e do Caribe estava vinculada ao mercado de trabalho (53,5%) e, entre as mulheres fora da força de trabalho na região, 56,3% declararam se dedicar exclusivamente ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado (em comparação a 7,3% dos homens).