Danielly P. Magalhães e Luiz Augusto Galvão
A Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), realizada de 22 de outubro a 1º de novembro de 2024, em Cali, Colômbia, terminou com negociações que moldam estratégias para implementar o Quadro Global de Biodiversidade de 2022, que inclui a meta histórica 30×30 – proteger 30% da terra e dos oceanos até 2030.
A Conferência contou com a participação do secretário-geral da ONU, António Guterres, seis chefes de Estado – incluindo o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anfitrião da COP –, cinco ministros das Relações Exteriores, 114 ministros, 33 vice-ministros e representantes de 81 organizações e ONGs de 150 países. Essa participação de alto nível ressaltou um compromisso compartilhado de enfrentar a perda de biodiversidade, as ameaças climáticas e a degradação ambiental, prioridades que assumiram uma nova urgência em meio à escalada das crises ambientais globais.
Os países devem apresentar seus Planos Nacionais de Biodiversidade e Ação (NBSAPs), – 117 países já apresentaram metas nacionais, mas somente 39 apresentaram NBSAPs atualizados. Com um milhão de espécies em risco de extinção, Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade eficazes são cruciais para a conservação da biodiversidade global. Os NBSAPs descrevem o plano de um país sobre como proteger e restaurar a natureza. São essenciais para mobilizar ações em todos os setores e garantir financiamento para a recuperação da biodiversidade.
Braulio Ferreira de Souza Dias, diretor de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil e ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas, destacou as décadas de experiência do Brasil em políticas de biodiversidade. Ele disse que o Brasil está ansioso para compartilhar seus conhecimentos por meio do NBSAPs, tornando seus conhecimentos acessíveis, inclusive por meio da capacitação para a colaboração regional.
Embora somente os Estados sejam partes formais da convenção, muitas metas dependem do engajamento de comunidades, sociedade civil, setor privado e academia. Com a recente entrada desses grupos em questões de biodiversidade, cresce a necessidade de pesquisas que orientem sua participação.
Ações urgentes para implementação
O Diálogo Ministerial Temático do Segmento de Alto Nível sobre Ação Urgente para a Implementação do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF) reuniu ministros, líderes indígenas e representantes da comunidade para explorar estratégias e desafios na conservação da biodiversidade. No centro dessas discussões estavam as Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (NBSAPs), a principal ferramenta para a realização dos objetivos do GBF. Os participantes enfatizaram que uma abordagem todo o governo e toda a sociedade é crucial para uma implementação bem-sucedida, pedindo a participação inclusiva de Povos Indígenas e Comunidades Locais (IPLCs), mulheres, jovens, afrodescendentes, agricultores, ONGs, filantropia e outras partes interessadas importantes.
O diálogo enfatizou a importância de indicadores científicos bem definidos para orientar os esforços de conservação e acompanhar o progresso, bem como a necessidade de harmonização de dados em várias convenções. A inovação tecnológica, a transparência e o livre acesso aos dados foram destacados como componentes essenciais para rastrear os ganhos de biodiversidade e garantir relatórios claros.
Os participantes também exploraram o equilíbrio entre conservação e crescimento econômico, pedindo novos modelos econômicos que priorizem a sustentabilidade. As ações específicas de conservação propostas incluíram a promoção de uma bioeconomia, agricultura sustentável, gestão de recursos, restauração ecológica e estabelecimento de áreas protegidas. Reconhecendo os efeitos destrutivos da guerra sobre a humanidade e a biodiversidade, uma das partes pediu o reconhecimento e a articulação dos benefícios de longo alcance da conservação para inspirar um apoio mais amplo.
Biodiversidade e Saúde
A biodiversidade e a saúde humana são interligadas, e sua relação complexa tornou-se tema central nas discussões da COP 16, resultando em documento com ações específicas para integrar as interligações entre biodiversidade e saúde na implementação do GBF. Nesse evento, líderes globais, representantes indígenas, organizações não governamentais e o setor privado se reuniram para discutir soluções inovadoras e ações colaborativas que preservem a biodiversidade e, simultaneamente, promovam a saúde humana.
O foco da COP 16 em biodiversidade e saúde destaca como a perda de biodiversidade intensifica problemas de saúde pública, principalmente com a emergência de doenças infecciosas zoonóticas e a degradação de ecossistemas essenciais para a saúde humana. A saúde do planeta é fundamental para a saúde humana, pois a destruição de habitats naturais e o desequilíbrio dos ecossistemas aumentam a exposição a patógenos e poluentes. Inger Andersen, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), reforçou que proteger a biodiversidade é indispensável para preservar a saúde humana. “Nossa saúde está ligada à saúde do planeta”, declarou.
Compromissos para Ação Integrada: A COP 16 reiterou compromissos globais, como o Acordo Kunming-Montreal, que busca proteger 30% dos ambientes terrestres e marinhos até 2030. No entanto, Andersen destacou que, apesar desse compromisso legalmente vinculante, faltam diretrizes claras para integrar questões de saúde. Em resposta, propôs-se um Plano de Ação Global sobre Biodiversidade e Saúde, que servirá como um roteiro voluntário, recomendando, por exemplo, a inclusão de avaliações de impacto na saúde em planejamentos de uso do solo e vigilância de doenças em áreas de rápida mudança ambiental. As propostas também incluem regulamentações mais rigorosas no comércio de vida selvagem e proteção de recursos genéticos para o desenvolvimento de medicamentos.
Os debates na COP 16 ressaltaram a necessidade de financiamento para apoiar práticas sustentáveis e incentivaram uma cooperação ampla entre países, ONGs e o setor privado para enfrentar os desafios climáticos e de biodiversidade. Contudo, questões financeiras continuam controversas, com países em desenvolvimento exigindo compromissos mais firmes sobre transferência de tecnologia, enquanto nações mais ricas defendem acordos voluntários.
Saberes Indígenas e Práticas Sustentáveis: O conhecimento tradicional das comunidades indígenas foi amplamente reconhecido como vital para a conservação da biodiversidade e para a saúde humana. Representantes indígenas argumentaram que práticas sustentáveis, transmitidas através de gerações, promovem a conservação dos ecossistemas e, ao mesmo tempo, asseguram os meios de subsistência e o bem-estar de suas comunidades. Este saber ancestral foi destacado como uma base essencial para as estratégias de conservação e políticas de saúde que refletem uma relação harmoniosa entre o ser humano e a natureza.
Desafios e Oportunidades em Políticas de Conservação e Saúde: Foram destacadas várias iniciativas para abordar a relação entre biodiversidade e saúde de forma integrada. Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, alertou que a Floresta Amazônica está em um ponto de inflexão e se tornou fonte de carbono, necessitando urgentemente de um projeto de restauração florestal em larga escala. Esse esforço visa reduzir as emissões de CO₂ e proteger a biodiversidade, promovendo uma bioeconomia sustentável baseada em florestas em pé.
O Papel da Inovação e da Transparência: A inovação tecnológica e a transparência nos processos de monitoramento e relatórios de conservação foram sublinhadas como essenciais para a avaliação do progresso na implementação dos compromissos de biodiversidade. Ferramentas para harmonizar dados entre diferentes convenções e relatórios sobre biodiversidade e saúde estão em desenvolvimento, visando tornar o monitoramento mais acessível e preciso. A colaboração entre diversos setores da sociedade e o livre acesso a dados foram apontados como elementos fundamentais para alcançar uma conservação inclusiva e eficaz.
Próximos passos
À medida que a COP 16 avança, ainda há questões cruciais a serem resolvidas, incluindo a responsabilidade das empresas farmacêuticas e os mecanismos financeiros para apoiar os esforços de proteção da biodiversidade. Entretanto, o evento apresentou um passo significativo em direção à convergência das agendas de biodiversidade e saúde, sinalizando um novo direcionamento para a diplomacia ambiental.
No encerramento do evento, houve uma sensação de otimismo, com as partes comprometidas em seguir uma abordagem integrada para um futuro sustentável, onde a saúde dos ecossistemas e das populações humanas estejam interligadas e protegidas de forma equitativa. A expectativa é que, com o tempo, o Plano de Ação Global sobre Biodiversidade e Saúde leve a uma implementação mais robusta e à conscientização de que a prosperidade humana depende, fundamentalmente, da conservação da biodiversidade.
Biodiversidade e Paz
Em 30 de outubro de 2024, o Diálogo Ministerial de Alto Nível Paz com a Natureza apontou a necessidade urgente de transformar nossa abordagem ao desenvolvimento, enfatizando a paz com a natureza como central para o progresso sustentável. A secretária executiva da CDB, Astrid Schomaker, reiterou o apelo para ir além da ação para uma transformação que harmonize os sistemas econômicos com a natureza. As partes discutiram a conexão entre degradação ambiental, conflito e desigualdade, defendendo o desenvolvimento inclusivo que respeite os direitos humanos e priorize as vozes marginalizadas. A Declaração da Coalizão Mundial pela Paz com a Natureza foi elogiada por promover a justiça e a participação ambiental, ressaltando que a sustentabilidade genuína deve abordar as dimensões ecológica e social.
Biodiversidade e Mudanças Climáticas
O Diálogo Ministerial de Alto Nível sobre Sinergias entre Biodiversidade e Mudança Climática: Da Ciência à Ação enfatizou a interconexão entre perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Os participantes destacaram a necessidade de harmonizar as estratégias climáticas e de biodiversidade, instando as nações a integrá-las em planos nacionais como NBSAPs e NDCs. Palestrantes como o presidente do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), David Obura, e o especialista em Amazônia Carlos Nobre destacaram as abordagens baseadas em ecossistemas, incluindo a conservação florestal e marinha, como essenciais para a construção de resiliência. O diálogo enfatizou modelos econômicos transformadores, soluções baseadas na natureza e conhecimento indígena para alcançar as metas globais estabelecidas no GBF Kunming-Montreal e no Acordo de Paris.
Biodiversidade e Oceanos
O papel dos oceanos foi destacado como um conector entre as metas de biodiversidade e a necessidade de estratégias inovadoras de conservação. As principais conquistas da COP16 incluem acordos para proteger áreas marinhas ecologicamente significativas, que são cruciais para o avanço da meta de conservação dos oceanos.
Biodiversidade, Consumo e Produção
A conferência também enfatizou a importância do consumo e da produção sustentáveis, especialmente o papel do setor privado na gestão dos impactos da biodiversidade. Empresas como GSK e Kering se comprometeram com metas baseadas na ciência para a natureza, sinalizando uma mudança em direção à responsabilidade corporativa na biodiversidade.
Além disso, a bioeconomia tem sido destacada como uma estratégia para alinhar a ação climática com as metas de biodiversidade, particularmente em regiões tropicais. Com a conclusão da COP16, seus compromissos estão prontos para orientar os esforços globais de biodiversidade, posicionando a conferência como um momento crucial na luta contra a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas.
Biodiversidade, Água e Florestas
Com apelos para integrar a gestão da água nas estratégias de biodiversidade e promover iniciativas lideradas pela comunidade, a COP16 representa um passo significativo para a realização de um futuro sustentável para o nosso planeta, houve um evento inteiro sobre esses temas. O evento ressaltou os vínculos críticos entre florestas e ecossistemas aquáticos para a implementação do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal. Os principais palestrantes enfatizaram o papel da conservação florestal na biodiversidade e na gestão dos recursos hídricos, destacando a inclusão dos Povos Indígenas, os impactos climáticos, as práticas sustentáveis e os esforços de políticas integradas. Os tópicos variaram de desmatamento, resiliência climática e direitos humanos na conservação ao manejo de ecossistemas e economias sustentáveis baseadas em florestas. O evento também promoveu uma abordagem holística e centrada no ser humano, reconhecendo o conhecimento, os direitos e os papéis das comunidades indígenas e locais na consecução das metas de biodiversidade, clima e água, e pediu uma ação colaborativa entre governos, comunidades e setores.
Financiamento
A revisão do progresso do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal estabeleceu uma meta de US$ 200 bilhões anuais para proteção da biodiversidade até 2030, com US$ 20 bilhões para países de baixa renda até 2025. Contudo, as negociações de financiamento estão paralisadas, especialmente em relação aos mecanismos financeiros e ao compartilhamento equitativo de benefícios dos dados genéticos. Para atender aos países em desenvolvimento, propôs-se o Fundo de Cali, voltado à distribuição justa desses benefícios. Sete países prometeram US$ 163 milhões adicionais, mas a meta de US$ 200 bilhões ainda permanece. As discussões continuarão até a próxima cúpula na Armênia, em 2026, para buscar soluções abrangentes.
Considerações finais
A COP16 representou um marco significativo na abordagem global da biodiversidade, evidenciando seu papel crucial no desenvolvimento sustentável. O verdadeiro legado do evento, no entanto, dependerá da capacidade de traduzir discussões em ações concretas que enfrentem a crise da biodiversidade e promovam mudanças reais. O sucesso das medidas de conservação exige um ambiente pacífico e uma transformação econômica que priorize a saúde ambiental e humana. Além disso, práticas agrícolas sustentáveis, energia mais limpa, consumo consciente e uma economia circular são essenciais. As soluções baseadas na natureza foram destacadas como abordagens eficazes para enfrentar crises planetárias, proporcionando benefícios à saúde e promovendo economias sustentáveis.
* Luis Augusto Galvão é pesquisador senior do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/ Fiocruz) e assistente da Georgetown University, Washington, EUA; Danielly de Paiva Magalhães é pesquisadora senior do Cris/Fiocruz.
Fontes
https://healthpolicy-watch.news/nations-deadlocked-over-health-biodiversity-framework-at-cop16/
https://www.sei.org/features/cop16-biodiversity-trends-pathways-for-global-action/