O Dia Mundial da Saúde é celebrado no aniversário de fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS), dia 7 de abril. Se em 1948 a criação da organização veio acompanhada da promessa de “Saúde Para Todos”, em 2022 em um mundo devastado pela pandemia de Covid-19, o sonho parece ainda muito distante.
Em meio às mobilizações do Dia Mundial da Saúde, mais do que nunca se faz necessário discutir caminhos. A OMS apontou para sua campanha de 2022 o lema “Nosso planeta, nossa saúde”. Com objetivo de despertar a atenção global para a necessidade de manter os seres humanos e o planeta saudáveis e impulsionar um movimento para criação de sociedades sustentáveis, focadas no bem-estar coletivo, a campanha aponta a relação direta entre as mudanças climáticas, degradação ambiental e a piora das condições de saúde das populações ao redor do mundo. Poucos discordariam destes propósitos, mas as palavras não parecem ecoar na dura realidade.
No dia 4 de abril, a terceira e última parte do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) foi divulgada, descrevendo o que é necessário para impedir que a situação piore ainda mais, as chamadas “medidas de mitigação”. Para manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC, limite de segurança estipulado pela ciência e meta do Acordo de Paris, as emissões globais de gases do efeito estufa precisam parar de subir até 2025 e depois cair 43% até 2030. Para um limite de 2ºC, essa redução precisa ser de 25%. Reportagem do Jornal da USP aprofunda a discussão do relatório.
Como destaca o Movimento Pela Saúde dos Povos em especial do Dia Mundial da Saúde, a maior barreira para ações enérgicas sobre a mudança climática e degradação ambiental é o poder das empresas transnacionais associadas aos combustíveis fósseis e ao extrativismo, que exploram e degradam o meio ambiente de países de renda média e baixa, expropriam e concentram lucros nos países ricos, reforçando a lógica colonialista do sistema capitalista.
Na mesma direção, o que as últimas décadas e a pandemia nos mostram é que as desigualdades dentro e entre nações é crescente, que os sistemas de saúde privatizados e concentrados em ações clínicas e curativas se afastam cada vez mais do antigo ideário de “Saúde Para Todos” e que as instituições financeiras globais, filantrocapitalistas e grandes investidores financeiros continuam a promover estratégias orientadas para o mercado como falsa soluções para garantir a universalização do acesso à saúde. O fracasso desse caminho fica evidente, por exemplo, na distribuição desigual de vacinas entre países ricos e pobres e na dificuldade em se fazer avançar a flexibilização dos tratados internacionais de propriedade intelectual.
O dia 7 de abril de 2022 também representou uma data importante para as aspirações de reconstrução de políticas de saúde abrangentes, universais e inclusivas no Brasil. Liderada pela Frente Pela Vida, o lançamento da Conferência Nacional, Livre, Democrática e Popular de Saúde (CNLDPS) marcou a convergência de esforços de associações científicas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil para construir um processo de debate, formulação e proposição sobre o futuro das políticas e do sistema de saúde no país. A conferência, que também será preparatória para a 13ª Conferência Nacional de Saúde em 2023, acontecerá nos dias 5 de agosto.
Como destaca a cobertura do Conselho Nacional de Saúde, estarão em discussão propostas como o financiamento adequado do SUS e a revogação do teto de gastos; a construção de uma gestão pública forte, eficiente e com controle social; a reconstrução da política de atenção básica; e o papel da luta pela saúde como catalisadora da mobilização para a construção de um novo Brasil. Também se somam a este movimento os esforços de diagnóstico e proposição promovidos por organizações como Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES), que tem realizado uma série de debates estratégicos sobre a saúde no Brasil em seu canal no YouTube, e a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, que neste mês discutiu o tema da Saúde em um seminário da série Projeto Para Um Novo Brasil.Os desafios de fato são enormes, e certamente demandarão a mobilização da sociedade. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou estudo analisando os gastos sociais do governo federal nos anos de 2019-2021, e concluiu que o orçamento da saúde perdeu R$ 10 bilhões em relação ao primeiro ano, descontados os gastos com a pandemia. Em outras áreas sociais, o desmonte foi ainda maior. Mas nem só o desfinanciamento do SUS assusta. Os dados da Conta-Satélite de 2019 do IBGE são inequívocos sobre o avanço da privatização: as despesas do total do país com saúde atingiram o patamar inédito de 9,6% do PIB. Porém, enquanto as despesas públicas estão estagnadas em 3,8%, os gastos privados das famílias já atingem 5,8% do PIB e cresceram em ritmo muito mais superior na última década, especialmente com planos de saúde e médicos. O caminho a percorrer será longo.
Leonardo Mattos
Saúde Amanhã
22/04/2022