Antever as tendências de futuro para ter mais clareza sobre as políticas do presente. Para o médico sanitarista Antonio Ivo de Carvalho, diretor do recém-criado Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, esta é a principal contribuição do projeto Brasil Saúde Amanhã. Nesta entrevista, ele explica como a abordagem prospectiva do sistema de saúde pode trazer, em médio e longo prazo, soluções para desafios persistentes, como a distribuição de médicos pelo território nacional. “Com estudos estratégicos podemos observar um cenário mais amplo, orientar e canalizar o debate público e sensibilizar os formadores de opinião. Já temos o portal Saúde Amanhã como propagador, mas precisamos ocupar todos os espaços institucionais e da mídia para que possamos transformar em capital político o potencial acadêmico dessa iniciativa”, aposta Antonio Ivo.
Qual a contribuição dos estudos de futuro para a Saúde?
De dois anos para cá, a Fiocruz vem se qualificando para trabalhar de forma mais prospectiva, em todas as áreas do conhecimento e em todos os níveis de Ensino e Pesquisa, com foco em desenvolver mais acuidade em relação ao futuro. O projeto Brasil Saúde Amanhã é o primeiro resultado de nosso esforço para iniciar, aqui na Fundação, uma área de es-tudos para prospecção estratégica do sistema de saúde. A finalidade é estabelecer indi-cadores e variáveis que possam nos permitir antever as tendências de futuro e ter mais clareza sobre as políticas do presente. O que nós queremos é ter políticas públicas mais precisas e efetivas, que atendam as demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). Para isso, reunimos especialistas de diferentes áreas para debater políticas públicas tendo como base estudos científicos que quantificam e qualificam as necessidades do nosso sistema de saúde. A iniciativa, que vem sendo desenvolvida há dois anos, já gerou a publicação livros e a realização de seminários de pesquisa e oficinas de trabalho – como a sobre especialidades médicas, realizada em novembro de 2014.
Como a ampliação do acesso a médicos especialistas contribui para a regionalização do SUS?
A contratação e distribuição adequada de médicos no país é absolutamente essencial. Por isso, o debate acadêmico deve estar orientado para que possamos traçar os caminhos e estratégias para que os programas Mais Médicos e Mais Especialidades tenham sustentabilidade. Esses programas não buscam somente “colocar médicos no interior”, mas “turbinar” o SUS nestas regiões, colocando à disposição da população os serviços e recursos de um sistema de saúde de excelência. E, para isso, um programa de médicos especialistas é essencial. Isso é inovador porque as experiências anteriores de interiorização de médicos foram frustradas, sobretudo pelo isolamento em que estes médicos tendem a ficar. Eles vão para o interior, são qualificados, fazem Atenção Básica, mas não têm para onde encaminhar pacientes que precisem de atenção especializada. Então a linha de cuidado não evolui e o paciente acaba voltando para um grande centro urbano.
O SUS está preparado para atender as demandas de saúde das próximas décadas?
As tendências de futuro mapeadas pelos pesquisadores nos dão uma estimativa das necessidades de saúde que o país enfrentará. Precisamos adotar políticas de formação e de estímulo para profissionais de saúde se fixarem nas áreas onde eles são necessários – como as cidades do interior ou as periferias dos centros urbanos. A lei do Mais Médicos criou muitos dispositivos favorecedores disso. Ela torna obrigatória a Residência Médica e exige que o primeiro ano seja de medicina geral comunitária. Isso faz com que todos os médicos tenham uma base generalista e desenvolvam uma noção muito mais apurada da humanização, do contato com indivíduos e famílias. Os estudantes de medicina devem ser estimulados a trabalhar em regiões estratégicas para o país. E, para isso, precisamos conhecer muito bem as necessidades de cada região – no cenário atual e no horizonte das próximas décadas, quando os hoje estudantes de medicina atuarão no SUS.
Bel Levy
Saúde Amanhã
12/01/2015