Luciana Conti*
O Dia Internacional da Mulher se aproxima e minha caixa de e-mails se enche de promoções que tentam se passar por homenagens a minha condição feminina. Desconto em restaurantes, em boutiques, em cabeleireiros, etc. Um dia para os floristas do centro da cidade ficarem felizes, com a saída de rosas solteiras, e os restaurantes venderem seus melhores e mais caros pratos. Mas esse não é o 8M que nós, mulheres, queremos. Não queremos rosas, nem parabéns. O 8M é um dia de luta não apenas por igualdade de condições com os homens, mas, sobretudo, pela afirmação de um modo particular de existência das mulheres. Um modo de existência que passa necessariamente pela descolonização de nosso corpo, usado pelo patriarcado como um dispositivo de controle social tanto do ponto de vista público, quanto privado.
O feminismo tem como tarefa histórica exigir para si a construção da ideia do que seja uma mulher, hoje a cargo do discurso masculino, e lutar para descolonizar esse corpo reprimido pela moral, pela religião, pela medicina e pelo Estado, que está sujeito à violência praticadas por homens. Uma luta que passa necessariamente pelo debate sobre que saúde precisa a mulher. “Nosso corpo nos pertence” é a palavra de ordem que une os vários feminismos, que ultrapassam a determinação sexual para atuar na questão de gênero e atender a mulheres brancas ou racializadas, cis, queer ou trans, enfim, a populações colocadas à margem pelo patriarcado.
Atuar nas margens é a melhor vocação do feminismo contemporâneo. Não podemos nos enganar, a luta das mulheres não pode se resumir ao ideário liberal que sonhou com direitos e oportunidades iguais. É preciso se perguntar quem desfruta desses direitos e oportunidades em um capitalismo neoliberal, em que o sistema exclui 99% da população mundial da repartição de suas benesses.
O maior objetivo dos feminismos deve ser garantir a todas as mulheres, especialmente aquelas que estão nas margens, a disputa por espaços na política e pelos postos do Estado, para fortalecer a luta pela construção de um mundo em que a distribuição dos bens e oportunidades seja equânime, inclusive entre as mulheres, e que isso não signifique a homogeneização ou a hierarquização de suas vozes. Um lugar de bem-estar social e segurança, em que possamos viver sem sermos violentadas e mortas por homens que julgam ser senhores de nossas vidas e corpos, enfim, uma realidade muito distante da vivida por quase a totalidade das mulheres do mundo. Ainda temos muito chão antes de comemorarmos o 8M. Por ora, o que nos cabe é a luta.
*Coordenadora de Comunicação da Iniciativa Saúde Amanhã