Fortalecer o controle social, ampliar o acesso à Atenção Básica e às especialidades médicas. Para a presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), a pesquisadora Ana Costa, que também é membro do Conselho Nacional de Saúde, esses são alguns dos maiores desafios que o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrentará nas próximas décadas. Confira a entrevista completa.
Em sua opinião, como o projeto Brasil Saúde Amanhã vem contribuindo para o planejamento da Saúde no Brasil?
O projeto Brasil Saúde Amanhã é essencial para o pensamento estratégico da Saúde no Brasil. Pela primeira vez, um grupo de pesquisadores se ocupa de pensar o futuro do setor – e de pensar este futuro a partir de uma fundamentação científica rigorosa. E mais: a partir de um conjunto de olhares que envolve desde os rumos do desenvolvimento nacional, o investimento e o financiamento da saúde, os processos de gestão, a relação público-privada, os critérios e as projeções epidemiológicas, a organização do sistema de saúde… O projeto traz a grande contribuição de fornecer elementos para o planejamento em Saúde para o Brasil e para o SUS; não só para o Ministério da Saúde, mas para o Estado brasileiro, para os próximos governos, para o futuro do país.
E para que serve tudo isso?
Para que gestores e parlamentares possam tomar decisões mais bem informadas e, também, para que a sociedade como um todo – por meio dos conselhos populares e dos movimentos sociais – possa participar das escolhas que vão impactar o sistema de saúde brasileiro. Os dados mostram, por exemplo, que no cenário mais positivo sob o ponto de vista da política econômica, em 2030 0 Brasil estará como a Espanha esteve em 2005 – economicamente e socialmente fragilizada. Este é um alerta que exige reflexão e ação política, com intervenção direta sobre os processos decisórios.
Quais as implicações deste modelo de planejamento para o controle social?
Com as projeções e os dados e estatísticas que disponibiliza, o projeto Brasil Saúde Amanhã reforça o papel estratégico do Conselho Nacional de Saúde nos processos de tomada de decisões em relação ao futuro do sistema de saúde brasileiro. Que futuro nós queremos? Quais os melhores caminhos para alcançá-lo? O conhecimento produzido por esta rede de pesquisadores ganha vida quando sai da academia e é apropriado pela sociedade – e isso acontece por meio da orientação do trabalho de gestores e parlamentares e do empoderamento das instâncias de controle social, tão importantes para o SUS. Como membro do Conselho Nacional de Saúde e do Cebes, reconheço o Brasil Saúde Amanhã como um projeto essencial para todos os que trabalham pelo controle social. E, mais do que isso, para todo o setor Saúde e para todo o Brasil.
Qual a importância de se debater a formação de especialidades para o SUS no horizonte das próximas décadas?
Vivemos um momento de organização do sistema de saúde de forma a garantir a sua universalidade e equidade. E, para isso, é imprescindível olhar para o futuro, planejar. O programa Mais Médicos foi uma iniciativa muito ousada, importante e impactante para o sistema de saúde brasileiro. Agora, o Mais Especialidades vem dar continuidade a este trabalho de forma estratégica. Ao discutir o desenvolvimento do programa estamos antecipando um conjunto de problemas e definindo planos de ação que devem ser incorporados por seus gestores e por instâncias como o Conselho Nacional de Saúde.
Os resultados do que sairá deste processo de pensar o Mais Especialidades servirão para hoje – para a instalação do programa – e também para a reorientação de toda a prática de formação de médicos e de composição de carreiras do SUS e do sistema privado de saúde. Este programa – e o projeto Brasil Saúde Amanhã, como suporte científico e de planejamento – representam uma resposta aos tantos desafios que temos para garantir a universalidade e a equidade do SUS. Os resultados apresentados por essa rede de pesquisa devem ser amplificados e debatidos por estudiosos, profissionais e gestores de saúde, parlamentares e toda a sociedade, para que possamos buscar o melhor caminho.
Quais os desafios que ainda se impõem à atenção especializada no SUS?
A carência de médicos especialistas na rede de saúde não é um problema simples de ser resolvido. Há insuficiência de especialistas, problemas de distribuição dos profissionais que já estão no mercado e diversos desafios na gestão da fila do sistema de saúde. O programa Mais Médicos é guiado, basicamente, pela lacuna de médicos em alguns municípios. Para o Mais Especialidades a situação é mais complexa e envolve a organização do sistema em termos de regionalização do cuidado, envolve as práticas de gestão e, claro, toda a questão do financiamento.
Nos últimos anos, o programa Mais Médicos já vem contribuindo para um cenário de futuro positivo, por meio de medidas como a ampliação do número de vagas nas faculdades de Medicina e do redirecionamento da Residência Médica, de forma a atender a intensa demanda da Atenção Básica por médicos. Isso é fundamental para que a Atenção Básica possa cumprir o seu papel de ordenadora da rede de saúde, de coordenadora do cuidado. A expansão da Atenção Básica também aponta para um cenário em que é necessário dispor de mais especialistas. Um volume maior de pessoas passa a ter suas doenças identificadas, o que requer o atendimento e a retaguarda de um especialista.
Bel Levy
Saúde Amanhã
03/12/2014