As tendências para a formação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a adequação do mercado de trabalho em Saúde às necessidades da população brasileira no horizonte de 2030 são alguns dos aspectos analisados pelos pesquisadores do projeto Brasil Saúde Amanhã. Dedica-se ao tema o pesquisador Mario Roberto Dal Poz, coordenador do estudo que deu origem ao capítulo “Formação, Mercado de Trabalho e Regulação da Força de Trabalho em Saúde no Brasil”, que integra o volume “Organização e Gestão do Sistema de Saúde” do livro “A Saúde no Brasil em 2030: Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro”. Para ele, os cenários futuros apontam a clara necessidade de maior interlocução entre as instituições de formação profissional e o mercado de trabalho e as áreas da Saúde e da Educação.
Como foi desenvolvido o estudo que deu origem ao capítulo “Formação, Mercado de Trabalho e Regulação da Força de Trabalho em Saúde no Brasil”?
Na primeira etapa do trabalho elaboramos a projeção da necessidade de médicos, enfermeiros e dentistas para atender a população brasileira em 2030. Preparamos uma agenda de pesquisa e cooperação indicando que deve haver interlocução entre os diversos grupos que atuam na área, envolvidos com o mercado de trabalho, a formação de recursos humanos e o estudo de demandas por serviços. Em continuidade, coordenamos duas frentes de pesquisa: uma mais voltada para o mercado de trabalho e outra à formação de recursos humanos. Neste processo, expandimos o número de profissões com que trabalhamos nas projeções: na área de formação de recursos humanos abordamos cinco das 14 profissões regulamentadas na Saúde: medicina, enfermagem, odontologia, fisioterapia e farmácia. Todas elas vêm sofrendo mudanças importantes com o crescimento no número de escolas – com respostas diferentes ao mercado de trabalho. É interessante observar que apesar de todas essas áreas terem mais ou menos o mesmo tempo para a formação dos profissionais, comalgumas respondem mais rapidamente ao incremento da demanda por profissionais. Farmácia e Fisioterapia, por exemplo, estão respondendo mais rapidamente, e com abertura de muito mais escolas no setor privado.
Quais os primeiros resultados desta prospecção estratégica?
Observamos uma tendência muito nítida de algumas profissões responderem com mais agilidade às mudanças que ocorrem do mercado de trabalho ou às inovações tecnológicas. É o caso da Farmácia: claramente há uma ligação entre a aprovação da legislação que determina a permanência de farmacêuticos nas farmácias com o aumento da formação de recursos humanos na área. Também percebemos uma intensificação da demanda por fisioterapeutas, devido ao envelhecimento da população e ao aumento dos índices de doenças crônicas. E, com isso, o incremento do mercado de trabalho da Fisioterapia e das oportunidades de formação na área. Com mais escolas abrindo, mais gente se formando, obviamente, os órgãos que regulam têm que responder de forma mais ágil a esta pressão do mercado educacional. Por isso, precisamos observar muito de perto as relações entre o mercado de trabalho e o mercado educacional – são esferas independentes, mas que se relacionam muito profundamente.
Como o senhor avalia a situação atual do mercado da Educação no Brasil?
Nas últimas décadas houve uma expansão enorme da capacidade de formação no Brasil. Diferente de outros países, temos uma infraestrutura de formação robusta. Antes da atual expansão do número de universidades, já tínhamos este cenário. Esta expansão ocorreu um pouco por pressão do mercado de trabalho, mas também por um investimento governamental muito grande na expansão da rede pública de Educação. E, mesmo assim, a rede privada aumentou muito mais do que a rede pública. Isso muito provavelmente tem relação com o fato de que, a partir dos anos 2000, quando foram implantadas as novas diretrizes curriculares nacionais, houve uma flexibilização: antes havia obrigatoriedade de um currículo mínimo, agora as diretrizes curriculares nacionais se tornaram mais flexíveis, favorecendo a expansão do setor privado. Esse processo teve forte apoio governamental, através do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Esses dois mecanismos contribuíram muito para expandir o setor privado, que responde hoje pela maior parte do ensino em Saúde – em Medicina, Enfermagem, Odontologia, Fisioterapia e Farmácia, áreas que analisamos em nosso estudo. Outra questão é sobre a escolha das profissões pelos jovens.Os estudos mostram que os jovens escolhem sua profissão e fazem escolhas em relação ao futuro com base no seu conhecimento da realidade atual, mas se imaginando no futuro. Algumas escolhas se dão em função disso. Se você tem um presente que não é muito claro e em que há muitas dúvidas, eles tendem a fazer escolhas para aquelas áreas mais seguras. Esses estudos podem ajudar nas políticas públicas e nas decisões de administração pública em vários níveis, mas também podem ajudar as pessoas a tomarem decisões em relação às suas profissões do futuro.
Em termos de qualidade, como o senhor avalia essa expansão?
Há alguns elementos de diagnóstico, mas os indicadores ainda estão sendo implementados, como o Exame Nacional dos Estudantes (Enade), que vem mudando ao longo do tempo. Mas, claramente, há uma maior concentração de indicadores mais baixos no setor privado do que no setor público. Isso não quer dizer que o setor privado é ruim ou que o setor público é bom… O setor privado cresceu aceleradamente e muitas escolas são jovens, por isso os primeiros resultados não são tão bons quanto os que temos no setor público, mais tradicional. Assim, o problema de qualidade precisa ser analisado mais profundamente. Mas os indicadores disponíveis hoje não são suficientes para que possamos compreender todo o quadro da Educação. É preciso ter estudos específicos para que se possa chegar a uma conclusão mais sólida.
Bel Levy
Saúde Amanhã
08/12/2014