O 1º de dezembro é marcado como o Dia Mundial de Luta contra Aids, desde 1987 quando foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De lá para cá muitos desafios foram enfrentados e muitos ainda estão pela frente. De acordo com dados do último Boletim Epidemiológico de HIV/Aids do Ministério da Saúde, de 2007 até junho de 2016, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 136.945 casos de infecção pelo HIV no Brasil. O país que já esteve na posição de modelo para o mundo na resposta à epidemia do HIV e da Aids, atualmente, na opinião de alguns especialistas, perdeu a capacidade de construir uma resposta à epidemia utilizando o seu maior trunfo: a experiência dos movimentos sociais. Para a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), o Brasil deixou de lado a expertise para o amplo diálogo intersetorial, a articulação da saúde com os direitos humanos e a capacidade de atenção aos princípios da universalidade, da justiça e da participação social.
Baseado no contexto político-econômico atual do Brasil – que sofre inúmeros retrocessos, principalmente nas áreas da saúde e educação – a Abia organizou documento com uma análise crítica e contundente sobre os mitos e as realidades referentes à resposta brasileira à epidemia de Aids. O primeiro tema abordado no relatório é a profunda crise que atingiu o país em 2016. O argumento é o fio condutor do artigo A resposta brasileira ao HIV e à Aids em tempos tormentosos e incertos. O publicação contém ainda artigos que abordam os desafios para o enfrentamento da epidemia; a neoliberalização da prevenção e a resposta brasileira; os desafios da assistência às pessoas que vivem com HIV e Aids no Brasil; além dos avanços e retrocessos no acesso aos antirretrovirais no país.
A pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da ENSP, Monica Malta, concorda com a publicação, que mais do que denunciar a grave situação brasileira e chamar a atenção internacional para o Brasil, faz um alerta para o momento imperativo que o mundo experimenta atualmente no enfrentamento da epidemia de Aids. “O Brasil foi, durante muitos anos, um modelo mundial de resposta bem-sucedida ao HIV e à Aids. A falência brasileira pode, portanto, refletir negativamente em vários países, seja na América Latina e Caribe, seja no Leste europeu, Ásia e África”, exemplifica o documento da Abia.
Brasil registra queda na transmissão da aids de mãe para filho
Mesmo com os inúmeros desafios, muitas conquistas foram alcançadas ao longos dos últimos anos. O Ministério da Saúde divulgou, na quarta-feira (30/11), que a taxa de detecção de aids em menores de cinco anos caiu 36% nos últimos seis anos, passando de 3,9 casos por 100 mil habitantes, em 2010, para 2,5 casos por 100 mil habitantes, em 2015. A taxa em crianças dessa faixa etária é usada como indicador para monitoramento da transmissão vertical do HIV. “A redução de 36% na transmissão de mãe para filho foi possível graças a ampliação da testagem, aliada ao reforço na oferta de medicamentos para as gestantes”, explicou o ministro da Saúde.
Para incentivar o engajamento dos municípios no combate à transmissão vertical, o Ministério está instituindo, com os estados, um selo de Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV e/ou Sífilis no Brasil. Tendo como base uma adaptação de critérios já estabelecidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a certificação será concedida a municípios cujas taxas de detecção de aids em menores de 5 anos sejam iguais ou inferiores que 0,3 para cada mil crianças nascidas vivas e proporção menor ou igual a 2% de crianças com até 18 meses. Serão certificados, prioritariamente, os municípios com mais de 100 mil habitantes. A certificação será emitida por um Comitê Nacional, em parceria com estados, que fará a verificação local dos parâmetros. Os municípios receberão certificação no ano que vem, no Dia Mundial de Luta contra Aids. A estratégia conta com o apoio da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância); Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids no Brasil) e Opas.
Opas incentiva governos e sociedade a intensificarem nove medidas para acabar com a aids até 2030
Na perspectiva de acabar com a epidemia de Aids no mundo até 2030, a Opas lançou este ano a campanha “Take the challenge. End AIDS” – “Aceite o desafio. Acabe com a aids”, em português – que busca incentivar governos e sociedade a intensificarem nove medidas para acabar com a aids até 2030. Fornecer e promover o uso de preservativos e lubrificantes, oferecer testes de HIV em áreas frequentadas pela população de maior risco e expandir o acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP) e pós-exposição (PEP) são algumas das medidas que, se reforçadas, podem ajudar a acabar com a aids como problema de saúde pública dentro de 15 anos.
Outras ações são a testagem e o tratamento para todas as mulheres grávidas soropositivas e seus recém-nascidos para eliminar a transmissão do HIV de mãe para filho, a oferta de tratamento precoce para todos que precisam, além de eliminar o estigma e a discriminação, fornecer testes e tratamento para outras infecções sexualmente transmissíveis que estão associadas ao HIV e aumentar o financiamento. “O HIV continua sendo uma ameaça à saúde e requer uma resposta estratégica global e regional”, disse Carissa F. Etienne, Diretora da OPAS. “Devemos intensificar esforços na prevenção combinada, detecção precoce e acesso ao tratamento, que são as chaves para impedir a transmissão do vírus nos próximos anos”, acrescentou.
Projeto incentiva teste e adesão ao tratamento do HIV/Aids
A Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) está iniciando uma parceria com o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids de São Paulo (CRT) e a Programa Municipal de DST e Aids de São Paulo (PM DST/AIDS) para implantação do auto teste de diagnóstico da Aids no município do estado. A iniciativa faz parte do projeto A Hora é Agora, uma ação inovadora voltada à prevenção e o controle do HIV entre homens gays e homens que fazem sexo com homens (HSH) acima de 14 anos, dois dos grupos mais vulneráveis à infecção pelo vírus, principalmente entre os jovens (a prevalência é estimada em 10,5%).
De acordo com a coordenadora do projeto na Fiocruz, a pesquisadora do Laboratório de Situações Endêmicas Regionais do Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Laser/DESNP), Marly Marques da Cruz, a previsão de início deste projeto na região é para o primeiro trimestre de 2017. Este ano, a experiência de sucesso do projeto também estimulou a criação de um grupo de trabalho pelo Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde para debater novas orientações sobre vinculação ao cuidado, que tem sido um desafio para quem vive com o vírus e a doença. Desde o lançamento da iniciativa até final setembro 2016, foram realizados 5.767 testes, sendo 2.251 na população-chave (homens gays e HSH) e 587 em pessoas que estavam se testando pela primeira vez. Em relação aos resultados dos testes, 360 pessoas tiveram resultados reagentes para o HIV, sendo 269 deles HSH.
“É importante salientar que, embora os homens gays e os HSH sejam o principal alvo do projeto, os serviços de testagem são oferecidos a todas as pessoas que se apresentem em qualquer das unidades”, destacou Marly.
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