A 20ª Conferência Internacional de Aids teve início sob forte sentimento de tristeza, após o acidente aéreo que causou a morte de diversos ativistas, pesquisadores e profissionais da saúde que participariam do evento. Durante cinco dias de atividades, aproximadamente 12 mil pessoas se reuniram em Melbourne, na Austrália, para discutir as ações já realizadas e o que ainda precisa ser posto em prática a afim de diminuir a prevalência do HIV/Aids no mundo.
Na ocasião, ressaltou-se que, apesar dos esforços de todos os envolvidos na luta contra a doença nos últimos 30 anos, ainda há muito o que ser feito. Com o lema Ninguém deve ser deixado pra trás, o encontro culminou na construção da Declaração de Melbourne, elaborada para dar visibilidade ao impacto das leis discriminatórias e estigmatizantes que aumentam ainda mais a vulnerabilidade de determinados grupos frente ao HIV/Aids.
A pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da ENSP, Monica Malta, destacou alguns pontos debatidos durante a Conferência. Entre eles, o lançamento do RelatórioGap, elaborado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids). O documento faz um alerta: das 35 milhões de pessoas vivendo com HIV/Aids no mundo, 19 milhões não sabem que possuem o vírus. Além disso, ressalta a importância de uma análise mais profunda das epidemias locais, visando elaborar respostas mais eficazes e adequadas para cada região/país.
O relatório investiga também as razões para a crescente lacuna entre as pessoas que possuem acesso ao tratamento, prevenção, cuidado e apoio e aquelas que não possuem. Neste contexto, o documento indica que a única possibilidade para o fim da epidemia de Aids é focar as ações nas populações mais vulneráveis. De acordo com dados do Unaids estima-se que a prevalência de HIV seja 28 vezes maior entre as pessoas que usam drogas injetáveis; 12 maior entre os profissionais do sexo; e até 49 vezes mais entre transexuais femininas quando comparado ao restante da população adulta.
O documento identifica que é possível alcançar a cura da Aids, porém é preciso preencher importantes lacunas como a quase inexistência de dados sobre as pessoas mais afetadas pela doença, o estigma e descriminação e a criminalização de grupos mais vulneráveis. Segundo Monica Malta, a Conferência deu voz aos mais afetados pela epidemia, que participaram ativamente de diversas mesas e debates relatando suas experiências de vida e violações de direitos humanos sofridas.
The Lancet lança volume especial
sobre impactos do HIV/Aids
em trabalhadores sexuais
Durante o evento, a revista The Lancet apresentou um volume especial com sete artigos que discutem o impacto do HIV/Aids entre trabalhadores sexuais. De acordo com os pesquisadores responsáveis pela publicação, com maior vulnerabilidade frente ao HIV e por outras Infecções Sexualmente Transmitidas (ISTs), os trabalhadores sexuais enfrentam barreiras substanciais de acesso a informações de prevenção, ao tratamento e a serviços de saúde devido ao estigma, a discriminação e a criminalização. Desta forma, essas injustiças sociais, legais e econômicas contribuem para o alto risco de contaminação desta população, que permanece mal atendida ao redor do mundo, além de sofrer diariamente violência e abusos.
O volume especial da revista reforça como a parceria entre pesquisadores e grupos mais afetados é importante e necessária. Na edição temática muitos trabalhadores sexuais participaram ativamente das pesquisas e são, inclusive, coautores dos artigos publicados. Conforme disse Monica, os autores fizeram um apelo pela descriminalização do trabalho sexual como parte do esforço global para o controle da epidemia de Aids. Todos os artigos publicados estão disponíveis para leitura na internet.
A possível cura da Aids
Outro assunto bastante debatido nos cinco dias de atividades foi a possível cura da Aids. Muitos palestrantes enfatizaram que a cura funcional do HIV, que consiste em supressão viral do HIV sem tratamento antirretroviral, é possível, apesar de requerer múltiplas estratégias. Segundo muitos palestrantes, a combinação de tratamento iniciado oportunamente – para muitos pesquisadores o início do tratamento deve ser assim que se descobre a infecção – deve estar aliado a intervenções adicionais, voltadas para evitar que o vírus do HIV se esconda em reservatórios no organismo; a utilização de alguma terapia para aumentar a resposta imune de pessoas HIV positivo; e ampla participação de grupos mais afetados para elaborar intervenções que não sejam apenas medicamentosas, culturalmente mais adequadas e voltadas para as diversas necessidades e especificidades de pessoas vivendo com a doença.
Monica citou também que dificuldades adicionais foram discutidas para oferecer tratamento adequado às pessoas vivendo com HIV/Aids e coinfectadas pela tuberculose, uma das principais causas de óbito em portadores do vírus, além do alto custo do tratamento de pessoas com HIV/HCV – coinfecção prevalente entre pessoas que usam drogas injetáveis.
Pesquisadora da Fiocruz participa
ativamente das discussões
Pela primeira vez uma pesquisadora brasileira integrou a plenária de abertura da Conferência Internacional de Aids. A pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz, Beatriz Grinsztejn, foi a única brasileira a participar das sessões plenárias da 20ª Conferência como palestrante. Segundo Monica, as sessões plenárias são o espaço mais nobre do evento, sendo realizadas sempre no início do dia, e abordando temas de importância que acabam se replicando aos debates do decorrer do dia. De acordo com ela, Beatriz Grinsztejn ressaltou em suas apresentação a alta prevalência de HIV entre jovens gays e o baixo acesso ao teste nesta população, além de destacar a importância de implementar estratégias de combate à discriminação e mesmo criminalização entre grupos mais vulneráveis.
Portal Bio-Manguinhos, 20/08/2014