Para viabilizar um projeto de capitalismo de Estado, que promova crescimento com desconcentração de renda, riqueza e poder, é necessário se debruçar sobre questões relacionadas à soberania (fronteira, energia e alimentos), ao desenvolvimento, à inovação tecnológica, ao modelo de proteção social e à sustentabilidade ambiental.
Do ponto de vista macroeconômico, para fundamentar esse tipo de projeto, a industrialização, o pleno emprego e a universalização das políticas sociais são elementos centrais, pressupondo, a um só tempo, a desfinanceirização do padrão de financiamento público (dívida interna) e a ampliação dos investimentos públicos e privados (formação bruta de capital fixo).
Tendo como pano de fundo o bem-estar das classes trabalhadoras e dos assalariados é indispensável garantir o alargamento do mercado interno com estabilidade da moeda, bem como definir as janelas de oportunidade que fortaleçam a economia brasileira no contexto da globalização.
Na atual conjuntura histórica, em plena crise do capitalismo internacional e da contraofensiva neoliberal, uma opção seria discutir o ‘modelo sueco’ de pleno emprego (Ocké-Reis, 2011), que já foi considerado um paradigma para os críticos da experiência soviética (estalinista) e estadunidense (liberal). Não importa se hoje a Suécia não faz parte do G20, se o partido social-democrata saiu do poder, ou ainda, se sua política econômica não é mais uma referência teórica e prática: essa experiência foi tão marcante entre 1950 e 1975, que tal investigação ajudaria a examinar os desafios do Brasil no início do século XXI.
Esse modelo articulava pleno emprego com estabilidade da moeda e crescimento com equidade social, combinando política fiscal (ora cíclica, ora anticíclica) com regulação dos lucros extraordinários e com política de renda ‘compensatória’. Valeu-se, favoravelmente, das regras do regime monetário internacional seladas no acordo de Bretton Wood em 1944, que possibilitou o controle do fluxo de capital entre os países, permitindo que a política monetária sueca (controle da inflação) fosse ao encontro das metas de pleno emprego.
Outra opção seria olhar para o debate e a experiência da esquerda latino-americana reformista e revolucionária (Fiori, 1996), enquadrando as políticas sociais dentro de um projeto de desenvolvimento que redefina não só as relações de cidadania, mas que mude também as relações entre o Estado e o mercado.
De um lado, na década de 30, Lázaro Cárdenas – que retomou o plano Ayala de 1911 proposto por Emiliano Zapata – fez a reforma agrária, estatizou as empresas estrangeiras de petróleo, criou os primeiros bancos estatais de desenvolvimento industrial e de comércio exterior, investiu em infraestrutura, promoveu a industrialização e defendeu uma política externa anti-imperialista. Essa plataforma serviu de base em seguida para vários governos nacional-desenvolvimentistas, os quais, se não foram comunistas, socialistas ou socialdemocratas, foram expressão de boa parte da esquerdista reformista latino-americana até 1980.
De outro lado, em 1970, a Unidade Popular chilena, sob a hegemonia dos socialistas e comunistas, propôs uma transição democrática ao socialismo, radicalizando a experiência de Cárdenas em linha com a proposta de capitalismo de Estado dos comunistas franceses – que, por sua vez, tinham como fonte de inspiração a Nova Política Econômica (NEP), liderada por Lênin e implantada pelo partido bolchevique na Rússia, a partir de 1921 (Bertelli, 1987). Allende promoveu a reforma agrária e a nacionalização das empresas estrangeiras de cobre, mas, sobretudo, defendeu a criação de um ‘núcleo industrial estratégico’, de propriedade estatal, supondo o desenvolvimento da economia socialista. Com sua derrubada pelo golpe militar, o debate acerca do capitalismo de Estado, como forma de transição democrática ao socialismo, acabou ficando inconcluso na América Latina.
Adaptado à realidade brasileira contemporânea, seja o modelo keynesiano (sueco), seja o modelo de capitalismo de Estado (chileno), dados os níveis de pobreza, desigualdade e violência social, ao lado da ‘âncora salarial’ aplicada pelos governos petistas (emprego formal, renda e crédito), o papel das políticas sociais como força motriz do desenvolvimento nacional não pode ser menosprezado, uma vez que sua universalização poderia ajudar a:
Construir uma ética pública e solidária na sociedade;
Desprivatizar o Estado, democratizando o acesso ao fundo público;
Diminuir, objetivamente, os níveis de pobreza, desigualdade e violência social;
Produzir renda, produto, emprego e inovação tecnológica (cadeia produtiva keynesiana);
Aumentar a produtividade da força de trabalho e reduzir o índice de inflação do setor terciário (e por sua vez ampliar os gastos sociais).
Para certo autor, a construção desse tipo de esfera pública, sinônimo de democracia e de uma “economia de mercado socialmente regulada” (termo cunhado pela social-democracia alemã de antes da ascensão do nazismo), poderia constituir uma esfera do antivalor, segundo ele, as portas do socialismo (Oliveira, 1988).
Referências
BERTELLI, A. R. (Org.). A Nova Política Econômica (NEP): capitalismo de Estado, transição e socialismo. São Paulo: Global, 1987.
FIORI, J. L. Um olhar para a esquerda. Margem Esquerda – ensaios marxistas, n. 7, p.87-112, 2006.
OCKÉ-REIS, C. O. A macroeconomia sueca do pleno emprego foi derrotada? Rio de Janeiro: projeto de pesquisa submetido ao curso de pós-graduação em Economia Política Internacional (estágio pós-doutoral), do Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. (Mimeo.)
OLIVEIRA, F. de. O surgimento do antivalor: capital, força de trabalho e fundo público. Novos Estudos CEBRAP, v. 22, p. 8-28, outubro de 1988. (Dossiê Welfare State.)
Por Carlos Octávio Ocké-Reis – economista, doutor em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pós-doutor pela Yale School of Management (New Haven, EUA). Técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e consultor externo do Isags (Unasul).
Plataforma Política Social, 27/10/2014