“Brasil Saúde Amanhã” discute as diversas desigualdades que precisam ser vencidas no Brasil

O debate sobre a desigualdade social e econômica, vista sob diversos aspectos e abordada pelo pensamento crítico ao neoliberalismo, abriu no dia 5 deste mês a série de seminários “Diálogos Brasil Amanhã”, promovida pela Iniciativa Brasil Saúde Amanhã, da Fundação Oswaldo Cruz, que vem reunindo todas as segundas-feiras de setembro pesquisadores de diversas instituições para discutir temas importantes para a pauta da saúde pública. Os debates são mediados pelo sanitarista José Carvalho de Noronha, coordenador adjunto da Iniciativa Saúde Amanhã, e estão sendo transmitidos ao vivo pelo canal VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz no Youtube e as gravações deles ficam acessíveis ao público. A iniciativa é vinculada à Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e tem como objetivo desenhar cenários para o setor da saúde nos próximos 20 anos. 

    A mesa de abertura, Desigualdades: visões do Brasil e do mundo, foi composta por autores do livro Desigualdades: visões do Brasil e do mundo, editado pela Hucitec e organizado pelos economistas Fernando Augusto Mansor de Mattos, João Hallak Neto e Fernando Gaiger Silveira, que trouxeram para o debate os desafios de se vencer a desigualdade com políticas públicas que visem não apenas distribuir renda, mas também financiar a promoção pelo Estado de bem-estar e do sistema público de saúde. A conversa contou ainda com o cientista social Leonardo Castro, coordenador executivo da Iniciativa Saúde Amanhã, como debatedor.

    Fernando de Mattos, professor da Faculdade de Economia da UFF e um dos organizadores do livro, abriu o debate destacando que o Brasil tem muitas formas de desigualdade, com aspectos que vão para além da distribuição de renda, e que, por isso, ela não deve ser tratada como um tema exclusivo de economistas e sociólogos. Ele destacou as desigualdades regionais, ambiental, de acesso à educação superior e à saúde pública e a concentração do poder, dizendo que essas manifestações do problema o fizeram perceber a necessidade de ampliar a discussão sobre a temática, e de fazê-la de uma maneira mais abrangente, multidisciplinar, multidimensional. Metodologia que é marca da edição do livro. 

Co-autora do artigo sobre as desigualdades em saúde no século XXI, com o sociólogo Léo Maia e a cientista política Debora Castanheira, pesquisadores do ICICT/ Fiocruz, a socióloga e sanitarista Dália Romero, professora e também pesquisadora do ICICT/ Fiocruz, tratou do tema, colocando o direito à saúde como um valor central na sociedade. Para isso, recorreu à conceituação da Organização Mundial da Saúde de que a saúde não é apenas o gozo de uma vida saudável, mas, sobretudo, um estado de bem-estar. Essa classificação, lembrou, apesar de ser de 1948, ainda está em disputa no Brasil e na sociedade global. “O desafio é viver bem, não é apenas estar saudável”, explicou Dália, alertando que, nessa perspectiva, não são apenas a pobreza e a doença que colocam o indivíduo em situação de desvantagem em saúde, mas, também, o desamparo social. Para superar esse quadro, ela disse que é preciso se levar em conta aspectos ambientais, sociais, culturais e que têm impacto sobre a saúde coletiva.

Desigualdade, pobreza e os efeitos do mercado de trabalho e das políticas de transferência de renda no Brasil, na décadas de 2010, foi o tema da exposição da estatística Flavia Vinhaes, pesquisadora do Corecon-RJ e autora de artigo sobre a questão em parceria com os estatísticos Paulo Dique, do IBGE, e Paulo Jannuzzi, da ENCE/ IBGE. Ela apresentou dados sobre os efeitos na distribuição de renda na década de 2010 das políticas púbicas promovidas pelo Estado brasileiro e da posterior descontinuidade desses programas. “Embora as sociedades sejam vulneráveis às crises econômicas, os impactos sociais podem ser evitados ou minorados e a recuperação da economia pode ocorrer com mais ou menos celeridade em algumas diferentes sociedades”, explicou, defendendo o papel do Estado na defesa da equidade social e da economia. Ela destacou a vulnerabilidade da população brasileira, citando que 73% dos domicílios no país têm sua renda composta apenas pela remuneração do trabalho.

A mudança ocorrida após a década de 1990, com a financeirização do patrimônio dos ricos, na relação da desigualdade com a pobreza e a vulnerabilidade foi a questão do economista Fernando Gaiger Silveira, pesquisador do Ipea e um dos organizadores do livro e autor de artigo “Ricos, finanças e tributos: apontamentos sobre a desigualdade contemporânea”, em coautoria com Lucas Di Candia e Victor Bridi. “Nós vimos, no Brasil, que, apesar de uma melhoria muito grande no mercado de trabalho e da ampliação das políticas de proteção social, a desigualdade não havia caído, em função de uma certa resiliência do topo, dos um por cento, dos cinco por cento mais ricos em preservar sua participação na renda nacional”, explicou. Gaiger defendeu a tributação sobre o capital como saída para reduzir a desigualdade, alertando sobre a dificuldade de se fazer isso em uma economia financeirizada. “Não há solução simples, temos que pensar com calma um modelo que tenha efeito distributivo”, disse, lembrando que propostas de reforma tributária enfrentam muitas dificuldades políticas.

Leonardo Castro em suas considerações sobre as exposições ressaltou a importância do livro Desigualdades: visões do Brasil e do mundo, que traz contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros para o debate público sobre um tema “tão importante, tão candente, tão central em qualquer debate sobre o Brasil”. “Formou-se um espécie de quase consenso de que a desigualdade precisa ser combatida no Brasil”, disse, lembrando, por outro lado, que a disputa está na escolha das estratégias para enfrentar o problema.