Covid-19: fim do isolamento provocaria catástrofe

Diante da inexistência de tratamento ou vacina com eficácia comprovada para a Covid-19, especialistas das áreas da saúde e da economia defendem a manutenção do isolamento social para preservar a vida dos brasileiros, advertindo que seria “uma catástrofe” abandonar esta estratégia. Este foi um dos pontos levantados durante o debate Desafios para o Brasil diante da Pandemia Covid-19, realizado no ambiente virtual do Portal da Inovação. Os debatedores apontaram a necessidade do aporte de recursos públicos para enfrentar a pandemia e os efeitos econômicos e sociais da crise que o país atravessa.

Os convidados para esta rodada de discussões foram o subdiretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa, a diretora do Departamento de Saúde Global e População da Universidade de Harvard, Marcia Castro, e o presidente do Conselho do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), Arminio Fraga. A jornalista especializada em políticas de saúde, Cristiane Segatto, atuou como moderadora, e a abertura do encontro foi feita pela coordenadora do grupo Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ana Maria Malik.

O subdiretor da OPAS, Jarbas Barbosa, abriu o debate, com uma descrição dos cenários globais da Covid-19, as diferentes propostas dos países e as perspectivas para o Brasil. O epidemiologista, que atua em Washington, destacou que todas as preparações anteriores para epidemias foram superadas pela Covid-19, pois os outros vírus eram transmitidos de maneira mais lenta. “Nenhum país pode acreditar que pela sazonalidade do vírus, pelo fato de estar em uma área tropical, ou por qualquer motivo, não vai ter os serviços de saúde sobrecarregados se deixar que a transmissão siga seu curso natural”, advertiu. Segundo Barbosa, o isolamento social é a única medida capaz de reduzir a velocidade de transmissão e deve ser adaptado a cada realidade.

Ao ser questionado por internautas sobre as possíveis consequências do fim do isolamento no Brasil, Barbosa respondeu: “ Não há dúvidas de que teríamos uma catástrofe semelhante à da Itália. Basta olharmos o número de mortes no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde há atraso de pelo menos uma semana entre a morte e a confirmação do caso”.

Os gráficos de outros países demonstram que faz uma grande diferença quando as medidas são adotadas no início da transmissão comunitária ou quando já há uma elevada quantidade de mortes, ressaltou o subdiretor da OPAS. “Quando há uma explosão de casos graves ou mortes, mesmo que você pare o país, as pessoas que já estão infectadas vão continuar gerando milhares de casos graves e mortes”.

Subfinanciamento e escassez de recursos desafiam Brasil e América Latina

A preparação dos serviços de saúde é um desafio no Brasil e na América Latina, conforme demonstrou Barbosa, pois os sistemas de saúde são fragmentados. No caso do Brasil, se as pessoas puderem contar apenas com os leitos do SUS, sem contar com os leitos privados, haverá uma barreira ao acesso equitativo, na opinião do epidemiologista.

Para Barbosa, a adesão às medidas de isolamento social é proporcional à capacidade do Estado de oferecer compensações econômicas e sociais, para que os trabalhadores informais tenham condições de aderir a esta escolha. “Medidas duras, como estas que estão sendo tomadas, exigem um grau de coesão muito grande, o que, nesses tempos polarizados que nós vivemos, é sempre um desafio”, destacou.

O subdiretor da OPAS ressaltou que não existe, até o momento, nenhuma medicação que, comprovadamente, seja capaz de curar a Covid-19, embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) esteja coordenando uma ação conjunta com a participação de 90 países para testar medicamentos. Na opinião de Barbosa, o Brasil tem um sistema de acesso universal que representa uma vantagem em relação a outros países, já que as pessoas não precisam pagar para fazer teste ou para procurar atendimento médico. Mas, alguns dos problemas estruturais do SUS vão se sobressair neste momento, como o subfinanciamento histórico do sistema e os problemas da gestão do SUS.

Cenários para o Brasil: recursos devem se esgotar em breve

A diretora do Departamento de Saúde Global e População da Universidade de Harvard, Marcia Castro, apresentou uma simulação de cenários da epidemia no Brasil, a partir de modelos epidemiológicos, e abordou o papel das medidas de contenção para a evolução da doença.
Na análise de cenários, os pesquisadores buscaram entender quando haveria o esgotamento de recursos como leitos de UTI e respiradores no Brasil. Um dos cenários considera todos os leitos comuns e de UTIs estatizados, com uma fila única; outro cenário leva em conta a taxa de utilização dos leitos ano passado; o cenário alternativo considera que metade desta taxa de ocupação seria reduzida por causa da suspensão dos procedimentos eletivos. “Uma das conclusões foi que, se não houver uma mudança na trajetória da curva de transmissão, os recursos se esgotam no final de abril, no melhor dos cenários, no início de maio”, afirmou Castro.

A especialista em demografia explicou que, nos cenários em que todos os leitos são estatizados, ou em que a taxa de ocupação de leitos é reduzida em 50%, o que se ganha de tempo é muito pouco. “A diferença são dias, não chega a uma semana o que você ganha de fôlego. A primeira mensagem é que redistribuir o que já existe não é uma solução”, diz Castro. O que é preciso, segundo a estatística, é expandir a oferta existente, rapidamente. Mas, se as medidas de isolamento não estiverem em prática e não for alterada a trajetória da curva, a demanda se torna muito maior que a oferta. “A função do isolamento é evitar que se chegue ao esgotamento da oferta dos serviços hospitalares”, concluiu.

A pesquisadora de Harvard chamou atenção para a brutalidade que representa a necessidade de priorizar quem vai receber o atendimento, como ocorreu na Itália, onde os mais idosos foram deixados de fora. “O isolamento não é só para evitar morte, não é só para proteger idoso. O isolamento tem um significado coletivo importante, que é mudar a trajetória da curva”.

Arminio Fraga: “O governo vai ter que gastar”

O Presidente do Conselho do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), Arminio Fraga, abordou o papel das políticas públicas e as respostas da sociedade civil, diante do contexto em que há intersecção de duas crises – a da saúde e a econômica. Na avaliação do ex-presidente do Banco Central, entre todas as crises que o Brasil enfrentou nos últimos anos, esta será uma das maiores e apresentará uma grande diferença em relação às anteriores, em função da conjunção da economia com a Covid-19, que retira as pessoas do mercado de trabalho.

Para Fraga, o Brasil está diante de um problema extremamente complicado de administração econômica e social. “As soluções para as duas crises virão juntas, será difícil construir uma saída para a crise econômica sem enxergar a crise sanitária”, pontuou o economista.
Fraga chamou atenção, ainda, para as condições precárias em que vive grande parte dos brasileiros, o que dificulta a adoção de práticas de higiene necessárias para conter o avanço da pandemia. Além disso, destacou que o contingente de idosos e portadores de doenças crônicas soma 35% da população do País.

O presidente do IEPS considera que o Brasil está diante de um quadro preocupante do ponto de vista da economia, uma vez que as chances de ocorrerem outras ondas de contaminação é muito grande, e que existe uma probabilidade alta de que a crise só acabe quando houver vacina e tratamento para a Covid-19, cuja expectativa é para daqui a um ano no mínimo. “Ao contrário do mundo, que vinha em crescimento, o Brasil está em recessão desde 2014 e nunca havia se recuperado”, observou Fraga. “Ficou muito claro que o governo vai ter que gastar”, ressaltou o economista.

A previsão de Arminio Fraga é de que, em 2020, o Brasil sofra uma queda de 8% no PIB, redução jamais registrada na história do País. “À medida que a saúde voltar, pode haver recuperação, mas teremos que viver com muita incerteza por muito tempo”. Para Fraga, não há como fazer uma opção entre a economia e a saúde. “Não acredito que haja a alternativa de sacrificar vidas para salvar a economia”, enfatizou. “A melhor opção é acolchoar o tombo para que possamos sobreviver”, concluiu o ex-presidente do Banco Central.

 

Fonte: APSREDES