As despesas com Saúde alcançaram 9,7% do PIB brasileiro em 2021, segundo os dados da Conta-Satélite de Saúde, elaborada pelo IBGE, e fecharam o ano, em termos percentuais, na média dos gastos dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas, quando a análise recai sobre o gasto per capita, medido em poder de paridade de compra, o Brasil gasta 2,9 vezes menos que média da OCDE. Também chama a atenção a baixa participação do governo, que responde por 41,2% dos gastos em saúde, um percentual distante daquele dos países que dispõem de sistemas universais e mais igualitários, como o Reino Unido ou a Alemanha, com 83,1% e 85,4% respectivamente.
Esses dados, segundo o sanitarista José Carvalho de Noronha, coordenador adjunto da Iniciativa Saúde Amanhã, revelam profundas iniquidades no acesso à saúde no Brasil, apesar de o país contar com o SUS, um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo. “A baixa participação do governo no sistema de saúde brasileiro cria profundas iniquidades. Basta vermos que há uma inversão na relação de gastos e atendimentos. O setor privado, com 67% de participação nos gastos da saúde, atende a cerca de 30% da população, enquanto o público, com 33%, atende a 70% da população”, explica, dizendo que esses números revelam uma forte estratificação da sociedade brasileira, onde os grupos mais ricos se apropriam de uma maior parte dos recursos para os cuidados de saúde.
“Essa iníqua distorção vem se agravando. As contas revelam que os gastos do governo cresceram apenas 0,4% entre 2010 e 2021, enquanto os privados se viram acrescidos do equivalente a 1,3% do PIB. Outro aspecto importante é que a assistência farmacêutica, ao contrário de outros países com sistemas universais, não foi de fato incorporada ao SUS. A Conta Satélite mostra que o governo cobriu apenas 6,7% dos gastos com medicamentos para uso pessoal. Se lembrarmos que esses gastos oneram percentualmente mais a renda das famílias mais pobres, vemos a urgência de a participação do governo neles ser revista e incrementada”.
Noronha alerta que vencer essa distorção não será uma tarefa fácil, por não bastar apenas aumentar os investimentos do governo na Saúde. Será preciso que o gasto privado caia, pelo menos, na mesma proporção do aumento dos gastos do governo. Isso exige o corte de qualquer subsídio para a saúde privada – incluindo a renúncia fiscal para os planos de saúde – e que sequer se cogite em acabar com o piso orçamentário para os gastos com ações e serviços de saúde, definido na Constituição Federal e com o qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu durante a 17ª Conferência Nacional da Saúde. “Se com esse piso já estamos abaixo da média da OCDE, imagina sem ele”.
A esse movimento, Noronha defende que se some o esforço para desenvolver o país. O Brasil precisa, segundo ele, de políticas de redistribuição para crescer e de crescer distribuindo. “Os países ricos que mais investem em saúde, não gastam proporcionalmente muito mais do que nós, mas precisamos de mais investimentos para fazermos frente às necessidades de nossa população. Para aumentarmos os gastos em saúde, garantindo um sistema de saúde público e efetivamente universal, precisamos que a economia cresça e que se amplie a participação do governo nesse montante.”