O segundo dia (18/9) do seminário Brasil Saúde Amanhã: horizontes para os próximos 20 anos, que teve início na última quinta-feira (17/9), contou com dois paineis de debate: Desenvolvimento, Políticas Sociais e Saúde, que ocorreu na parte da manhã, e Cenários Epidemiológicos, Territórios e Força de Trabalho em Saúde, à tarde.
Dando início ao tema Desenvolvimento, Políticas Sociais e Saúde, o pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, Pedro Rossi, falou sobre a crise do modelo de desenvolvimento que o Brasil vive atualmente, as possibilidades de frente de expansão e como vislumbra as taxas de crescimento econômico para os próximos 15 anos. Segundo o pesquisador, a crise do modelo atual de desenvolvimento é resultado da promoção da modernização dos bens de consumo sem um investimento no setor produtivo que pudesse dar sustentabilidade a esse modelo. Rossi atribui esse cenário ao efeito do câmbio, razão que tem sido amplamente defendida, mas também à ausência de uma estratégia para o setor produtivo e a dois argumentos que considera falaciosos.
“Há uma ideia de que o aumento dos salários engessaria as empresas e de que se aumentássemos os lucros das empresas, estaríamos estimulando os investimentos e movimentando a economia. Isso é uma falácia. Vejo, na verdade, três saídas estratégicas ou frentes de expansão: investimento em infraestrutura produtiva (um processo que deve ser liderado pelo governo); em infraestrutura social, o que geraria aumento do consumo médio; e no setor de petróleo e nas cadeiras produtivas do setor petroleiro”, destacou o pesquisador.
Para a pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, a atual crise econômica é resultado de uma série de medidas que marcaram o início do governo de Dilma Roussef. “É muito comum a interpretação de que a desaceleração sofrida pela economia no período de 2011 a 2014 é resultado da crise externa. Eu discordo dessa interpretação e minha hipótese é que a política macroeconômica doméstica que atingiu as varáveis mais relevantes da economia brasileira foi responsável pela perda do dinamismo nos últimos quatro anos, particularmente a política fiscal”, disse.
Segundo Gentil, uma interpretação mais conservadora de leitura do panorama atual defende a ideia de que o Estado brasileiro primou pela gastança e agora estaria pagando o preço de ter que fazer o ajuste. “O Estado brasileiro teria se agigantado, particularmente nas políticas sociais, tentando uma gestão populista do orçamento público e que isso teria levado ao enorme gasto, à redução do superávit primário e que agora o ajuste seria imprescindível para retomar o controle da economia brasileira. Minha hipótese é justamente inversa. Exatamente porque a política do Estado não foi expansionista, o crescimento econômico foi menor e os efeitos da crise externa foram arrastados para dentro da economia doméstica”, complementou a pesquisadora.
Denise Gentil aponta, no entanto, que o consumo da administração pública apresentou uma queda, trimestre a trimestre, de 2010 a 2014 e que, embora tenha havido um crescimento significativo com os gastos sociais, esses gastos teriam se avolumado em transferências monetárias de renda. “O que aconteceu com os demais gastos? É aquela crítica que se faz ao modelo de inclusão pelo consumo de massa, que é o modelo mais barato de se fazer política social: você transfere um percentual da renda para a população, principalmente para o aposentado, e consegue incluir uma parcela da população num consumo mais sofisticado, recusando ou deteriorando os gastos com saúde e educação”, explicou.
A pesquisadora apresentou então uma série de gráficos e tabelas com dados do governo para uma análise do impacto da política fiscal ao longo desse período. Segundo esses dados, por exemplo, os gastos no setor de saúde se mostraram congelados em cerca 1,5% do PIB, embora tenha crescido numericamente. Ou seja, esses gastos teriam aumentado progressivamente menos em taxas decrescentes, o que provocaria um efeito multiplicador, se tornando cada vez menor e tendo cada vez menos impacto sobre o PIB e a renda.
Outra questão abordada pela pesquisadora foi a alta de taxas de juros como alternativa à crise externa. “Para combater a fuga de capitais e a taxa de câmbio existem várias outras medidas econômicas que não a taxa de juros. O governo pratica uma política de que subindo a taxa de juros, você consegue controlar o câmbio e o controle do câmbio facilita o controle da inflação. A repercussão disso é que temos gastos com juros cada vez mais elevados e gastos que não dinamizam a economia; essa massa de recursos vai parar nas mãos de pessoas com alto poder aquisitivo, que não irão aumentar seu consumo; é apenas riqueza sobre riqueza”, argumentou Gentil.
Logo em seguida, o pesquisador Ricardo Carneiro, da Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro, discorreu, em sua palestra, sobre a Gestão pública no Brasil para as próximas décadas. Carneiro fez um balanço da inserção do país no que chamou de “ondas reformistas” em relação ao serviço público. Ele disse que o Brasil entrou tardiamente no processo e nunca foi vanguarda no debate. “Além disso, também houve frouxidão no encaminhamento das reformas, agravada pelas desigualdades federativas”, afirmou o pesquisador. Segundo ele, desde os anos 30 que o Brasil entrou nesse processo de profissionalização da gestão, que permanece inacabado.
“A Constituição de 1988 trouxe alargamento de direitos, o crescimento sustentado do emprego público e uma maior municipalização dos servidores. A partir do governo Lula, cerca de 200 mil novos servidores foram incorporados ao serviço público. Houve ainda a abertura de novas carreiras e reforço às existentes, o que funcionou muito bem. Mas é preciso investir em qualificação e em abrir novas perspectivas”, disse Carneiro.
A palestra seguinte, intitulada Desenvolvimento e saúde, foi dada pelo secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Carlos Gadelha. Segundo ele, os teóricos desenvolvimentistas precisam estar juntos e com discurso afinado, para dar sustentação a políticas efetivas que contribuam para o país retomar o crescimento econômico e o combate às desigualdades que, em suas palavras, “são marcos dos dois últimos presidentes”.
Ele afirmou que é fundamental investir em inclusão social, na valorização do salário-mínimo e no enfrentamento das desigualdades sócio-econômicas. Ele acredita que desonerações a setores industriais podem ser feitas, mas com caráter estratégico e que a base para uma política de desenvolvimento não pode prescindir da parceria com o empresariado. “Nossa capacidade industrial é baixa e perde em qualquer comparação internacional. Fizemos avanços no setor de serviços, mas nossa indústria está de joelhos. Para que o Brasil alcance os 40 países mais bem situados nos índices sociais precisa crescer a uma média de 5% ao ano”.
Gadelha disse ainda que o país vive uma crise que tem semelhanças com a dos anos 30: “basta tirar o café e incluir as commodities para observamos as similitudes”. O secretário também citou exemplos das economias de países como China, México e Alemanha. E disse que a Alemanha, a locomotiva da Europa, se prepara para entrar na Quarta Revolução Industrial.
Terceiro e último painel: cenários epidemiológicos
A tarde do último dia (18/9) do seminário Brasil Saúde Amanhã: horizontes para os próximos 20 anos contou um painel dedicado ao debate do temaCenários Epidemiológicos, Territórios e Força de Trabalho em Saúde. “Reunindo pesquisadores de dentro e fora da Fiocruz para fazer um trabalho prospectivo e estratégico em Saúde, as apresentações até aqui já reuniram um rico conjunto de dados e interpretações sobre a realidade”, comentou o mediador, Antonio Ivo de Carvalho, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, na abertura da mesa do evento. “A Fiocruz vem se de dedicando a estimular ideias desse tipo que possam estudar o futuro e iluminar um pouco as construções políticas e a crítica a ações no presente”.
O primeiro palestrante da mesa foi o pesquisador Walter Ramalho, da Universidade de Brasília (UnB), que, por videoconferência, revelou dados de um estudo que aponta o cenário para a Saúde nas próximas duas décadas. Para o pesquisador, a superposição de problemas na área, como a chamada tríplice carga de doenças, pode influenciar o quadro no futuro. “Temos um cenário epidemiológico no piloto automático de emergência de novas doenças transmissíveis, de manutenção de doenças crônicas não-transmissíveis e de crescimento das causas externas, como violência e acidentes de trânsito”, afirmou.
Ramalho também destacou mudanças no perfil de morbimortalidade no Brasil até 2033. Segundo ele, um estudo populacional estimou, por exemplo, um aumento de 58,7% (hoje) para 113,1% (em 2033) a cada grupo de 100 mil habitantes no que se refere a doenças no aparelho circulatório; e uma elevação de 40,6% para 94,9% a cada 100 mil habitantes no relativo a problemas derivados de causas externas. “Precisamos preparar o SUS para o crescimento de doenças crônicas não-transmissíveis, particularmente alguns tipos de câncer, Alzheimer e outras demências”, explicou. “Além disso, é necessário o reforço de políticas públicas que atuem sobre determinantes sociais de saúde, com destaque para causas externas, como acidentes de trânsito; e a preparação para doenças emergentes que, a exemplo do Chikungunya e da Zika, começarão a surgir em todo o mundo”.
Dando continuidade ao debate, o pesquisador Antônio Tadeu de Oliveria, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), falou sobre o tema A centralidade dos Espaços em Saúde. Oliveira destacou como a evolução de aspectos demográficos podem influenciar a área de Saúde nos próximos anos. Segundo ele, o Brasil observará a continuidade da redução dos níveis de fecundidade e das taxas de natalidade, e um aumento da população idosa ativa até 2033. “É importante sempre considerarmos a convergência desses indicadores. Se analisarmos que a população em idade ativa, entre 15 e 65 anos, irá aumentar até 2033 e juntarmos esse dado com a fala do pesquisador Walter Ramalho, sobre o aumento de causas externas, iremos perceber que esta pode ser a mais exposta a este tipo de evento”, comentou.
Oliveira ainda abordou como novos movimentos migratórios internos também afetam a forma de perceber ao acesso saúde no país. “Do ponto de vista relativo, as migrações têm se reduzido há algumas décadas. No entanto, temos observado uma perda relativa da importância das metrópoles e o crescimento dos centros médios urbanos, sobretudo, no eixo do agronegócio e da mineração. Essa reconfiguração traz a necessidade, cada vez maior, de capacitação de profissionais fora das metrópoles, a fim de garantir o acesso a serviços de saúde para essas populações”, explicou.
De acordo com o estudo apresentado por Oliveira, dos mais de 5 mil municípios no país, apenas um (São Paulo) apresenta oferta de serviços de saúde (considerando equipamentos, especialidades e demanda) considerada plenamente satisfatória; 1132 municípios apresentariam nenhum tipo de internação ou equipamentos. “Os demógrafos estão preocupados com o envelhecimento populacional e a previdência, mas pouco se fala da agenda da saúde. Não dá para pensar políticas de saúde, demográficas e educacionais de forma isolada, sem um projeto de nação que aponte os caminhos inclusivos: o SUS e a Saúde devem ser para todos”,
O pesquisador Francisco Campos, secretário executivo da Universidade Aberta do SUS (UnA-SUS), continuou o debate falando sobre Força de Trabalho em Saúde. “Uma questão central é: como serão os serviços de saúde no Brasil daqui a 30 anos? Muita gente acha que a panaceia para todos os males é um plano de carreira e salários federal ou nacional. Eu acredito que não seja pois existe uma complexidade no Brasil, como a gestão municipal, que não está sendo considerada por essa perspectiva”, afirmou Campos. “Essa questão não é nova e não é apenas brasileira: existe naturalmente uma concentração de médicos nas grandes metrópoles”. Campos também comentou que existem pequenos municípios no Brasil que ainda não possuem profissionais de saúde. “Se não começarmos a pensar uma nova normatividade de demandas para essa estrutura, teremos muitas dificuldades no futuro para contornar isso”, alertou.
Outros pontos abordados pelo pesquisador foram a influência da tecnologia e da formação acadêmica na força de trabalho. “Por mais que cada vez mais nós incorporemos novas tecnologias, nunca teremos uma máquina automática de diagnóstico e tratamento, sempre seremos dependentes do componente humano, do resultado da interação singular entre o médico e o paciente para determinar o que realmente é efetivo”, destacou. Sobre a formação de médicos no país, Campos apontou que o modelo que temos está defasado. “Oficialmente, existem 52 especialidades médicas, mas algumas universidades oferecem mais de cem. Temos um mecanismo de reprodução de ensino ainda conservador. Estamos diante de um precipício: ou pulamos ou vamos cair, mas não ficará como está. Nós temos agora a oportunidade de encontrar soluções criativas, mas se não encontrarmos, a medicina perderá sua efetividade no futuro”, concluiu.
Foto que ilustra a capa: Peter Ilicciev
Agência Fiocruz de Notícias, 21/09/2015