Na abertura do seminário, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou a importância da iniciativa para prospectar o futuro em um cenário móvel de 20 anos e pensar a Saúde como um fator decisivo para o desenvolvimento do país. “Com o Brasil Saúde Amanhã, nós atendemos a necessidade de estruturar de maneira permanente uma rede de pessoas e instituições para pensar o futuro do Brasil e instruir a ação política. A Fiocruz é uma instituição estratégica do Estado brasileiro para a área da Saúde e uma de nossas missões é justamente ajudar o Ministério da Saúde a projetar a longo prazo”, disse Gadelha.
Diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS (DEMAS), da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira reafirmou a importância do projeto para municiar os administradores do Sistema Único de Saúde. “Os gestores do Ministério da Saúde precisam se apropriar daquilo que está sendo produzido por esses pesquisadores”, afirmou.
Vice-diretor de Informação e Comunicação do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Rodrigo Murtinho enfatizou as dificuldades que a atual conjuntura traz para a área social. “Um projeto como esse só é possível diante de um Estado que possa pensar e executar políticas sociais amplas. Dentro de um Estado Mínimo, um projeto desse não tem sentido”, assinalou Murtinho.
Primeiro painel
Moderadora do painel Saúde: Equidade, Acesso e Regionalização, a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade, iniciou os debates reforçando a necessidade de pensar o Brasil Saúde Amanhã como uma ação programática do Estado brasileiro. “Não existe um programa dessa natureza sem a visão de uma construção política permanente envolvendo os estudiosos, a comunidade, o Conselho Nacional de Saúde e os demais atores envolvidos. A Saúde é mais do que um setor. É uma perspectiva para nós pensarmos o Brasil do futuro”, disse Nísia Trindade.
Coordenador executivo da rede Brasil Saúde Amanhã, o pesquisador do Icict/Fiocruz José Carvalho de Noronha apresentou alguns estudos sobre acesso e uso do sistema de saúde no país, com ênfase na organização da atenção à Saúde. Entre os trabalhados citados, estão pesquisas sobre a distribuição de recursos físicos no país, o mapeamento de frequência e fluxo das internações nos municípios brasileiros, a área de influência para procedimentos de alta complexidade, os fluxos assistenciais de internação para pacientes de planos de saúde e a definição de estimativas de custos para módulos assistenciais.
“O projeto começou cinco anos atrás e nós estamos agora refletindo sobre os rumos que vamos tomar. Nós trabalhamos com horizontes móveis de vinte anos. A primeira etapa era 2030 porque era o nosso ponto de partida. A ideia é acompanhar a variação da situação econômica e das inovações tecnológicas para aguçar a nossa capacidade de perceber as alterações no presente que terão impacto decisivo nas condições futuras do sistema de saúde brasileiro e das condições de saúde do povo brasileiro ”, explicou Noronha.
Em seguida, a pesquisadora da Fiocruz, Laís Dias, abordou a necessidade de autonomia para produção do conhecimento científico e tecnológico. “O desafio principal para a consolidação do SUS é um desafio político.” Em sua apresentação, Laís, que faz parte do grupo de pesquisa de inovação em saúde da Fiocruz, foi firme ao defender também que sem a internalização da agenda de ciência e tecnologia na saúde, permaneceremos com desafios insuperáveis para a consolidação do SUS. “A tecnologia, inovação e produção em saúde possuem um forte impacto para o Sistema Único de Saúde. As inovações, sejam elas sociais ou tecnológicas, não são neutras e impactam a dinâmica do Sistema, bem com a falta da autonomia na produção tecnológica da saúde”, afirmou.
Para a pesquisadora, se defendemos um sistema democrático e universal então devemos pensar em como implementar mudanças para que ele se sustente. “Os estudos sobre inovação nos serviços de saúde têm se multiplicado, mas a base do conhecimento nessa área ainda não é suficiente para dar conta dos desafios”, opinou. Laís criticou ainda o crescimento da mentalidade de consumo da saúde e a certeza da qualidade e eficiência da saúde associada às tecnologias modernas. “Tanto no Brasil quanto no mundo, essa cultura de consumo da saúde está presente, sem se questionar os impactos desse acesso sobre as desigualdades geradas no Sistema”, comentou.
No contexto dos desafios políticos para o SUS, Luciana Dias, pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), falou sobre a regionalização e suas relações com os processos de conformação de redes de atenção à saúde, destacando a grande diversidade regional, no que diz respeito à condução da política de saúde no território nacional. Conforme explicou Luciana, a regionalização na saúde envolve a definição de recortes regionais para planejamento e organização de ações e serviços de saúde e a criação e/ou fortalecimento de autoridades sanitárias e estruturas de gestão regional. “A regionalização se expressa na trajetória de conformação e reformas de sistemas públicos de saúde com o objetivo de promover o uso mais eficiente dos recursos no território, ampliar o acesso e melhorar a qualidade da atenção”, destacou Luciana.
No Brasil, segundo a pesquisadora, a regionalização do sistema público de saúde é um fenômeno complexo, condicionado por diversos fatores, como: desigualdade e diversidade territorial, abrangência e distintas lógicas territoriais de atuação do Estado na saúde, multiplicidade de atores envolvidos no financiamento, gestão e prestação da atenção à saúde e múltiplas escalas regionais configuradas pela distribuição da oferta, uso de serviços, atuação e acordo político dos atores regionais. “No contexto atual, o que podemos observar no Brasil são regiões caracterizadas por intensa concentração populacional, de atividades econômicas e de serviços sociais versus regiões de rarefeita densidade demográfica, baixo dinamismo econômico e importantes desigualdades regionais que demarcam e dividem o país”, disse.
Já no que diz respeito à ação governamental na ‘região de saúde’ no SUS, Luciana afirma que essa ação não está relacionada a uma única autoridade sanitária ou estrutura de gestão regional, expressando assim forte interdependência federativa na constituição de redes de atenção à saúde e representando diferentes projetos, capacidades e governabilidades entre esferas governamentais que atuam na região. “A região também expressa multiplicidade de agentes (governamentais e não governamentais; públicos e privados) envolvidos na condução da política de saúde”, apontou a pesquisadora.
Alcides Miranda, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), baseou sua apresentação em uma prospecção estratégica da saúde até 2030, identificando possíveis variáveis que alterariam este cenário. Entre as variáveis observadas pelo professor, o financiamento do setor público, o processo de trabalho, a lei de responsabilidade fiscal, a entrada de capital estrangeiro, as inovações de estratégias institucionais ou sociais e a modelagem da atenção, poderiam, de acordo com ele, deslocar a saúde para outro cenário. Alcides fez uma análise retrospectiva de séries históricas de dados provenientes do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) nos períodos de dezembro de 2005 a 2014. A partir destas análises, o professor propôs dois possíveis cenários: o empresariamento mercantil agenciado pelo Estado sob a égide do Direito Privado e o empresariamento mercantil subsidiado pelo Estado.
“O primeiro diz respeito ao incremento de serviços qualificados como públicos sob a égide do Direito Privado e de serviços privados complementares e suplementares ao SUS (conveniados e contratados), com ‘universalidade básica’ e ‘padrões de integralidade’ em redes assistenciais temáticas e segmentação com ênfase em assistência biomédica, sob contratação procedimental e governança operativa”, explicou. Já o segundo, de acordo com o professor, aponta um predomínio de serviços privados com fins lucrativos e suplementares ao SUS, fragmentação com ênfase em assistência biomédica, com governança operativa e contratação procedimental. Além destes cenários, Alcides concluiu sua apresentação apontando um cenário alternativo, mais próximo dos princípios do SUS: a Integração estatal sob a égide do Direito Público, a partir da Universalidade com Atenção Integral à Saúde em redes regionalizadas, sob governança constitutiva e diretiva com regulação estatal e controle social.
Fonte: Fiocruz