Das falhas estruturais no campo da educação às dificuldades de financiamento trazidas pelo atual momento político e econômico, os desafios urgentes para a ciência brasileira foram debatidos no III Simpósio de Pesquisa e Inovação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), realizado de 27 a 29 de março na sede da Fundação, em Manguinhos. Na cerimônia de abertura, o diretor do IOC, Wilson Savino, destacou a necessidade de reflexão sobre as questões que impactam nas atividades de pesquisa, para além dos desafios encontrados cotidianamente pelos pesquisadores nos trabalhos de campo e nas bancadas dos laboratórios. “Discutir questões que se colocam no nosso Instituto, como a interface da pesquisa com os serviços de referência e as coleções biológicas, e temas que afetam a atividade científica de forma geral, como os desafios para o financiamento e a importância da cooperação, é fundamental”, afirmou Savino. O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marco Krieger, ressaltou a importância do debate para transformar os avanços científicos em inovação. “Os laboratório da Fiocruz sempre tiveram o compromisso com a produção do conhecimento científico em benefício da saúde pública. Precisamos dialogar para estabelecer uma política de inovação e superar as barreiras que ainda impedem que algumas descobertas sejam transformadas em produtos”, disse Krieger.
O presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, proferiu a primeira palestra do Simpósio, que teve como foco os ‘desafios urgentes para a ciência brasileira’. Coordenadora da mesa, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, enfatizou a relevância dos temas debatidos no III Simpósio de Pesquisa e Inovação do IOC. Ela lembrou que a ABC está à frente da iniciativa ‘Um projeto de ciência para o Brasil’, que tem como objetivo a consolidação de propostas para o fortalecimento de setores estratégicos para o desenvolvimento do país, e declarou que a atuação firme e concertada da comunidade científica é fundamental na atual conjuntura do país. “Essa defesa da ciência se faz ainda mais importante no contexto do ajuste fiscal. Ciência, tecnologia e inovação não devem ser vistas como gastos, mais sim como bens para o futuro do Brasil”, disse ela.
Deficiências históricas
Na conferência, Davidovich lembrou que a institucionalização da atividade científica no Brasil ocorreu de forma tardia, com os primeiros institutos de pesquisa e universidades criados no começo do século XX – um exemplo é o atual Instituto Oswaldo Cruz, unidade germinativa da Fiocruz, que teve sua origem em 1900 . Em comparação, a Universidade de Harvard, primeira dos Estados Unidos, surgiu em 1636, e, na Europa, a Universidade de Bologna, mais antiga do continente, teve origem em 1088. Atualmente, o Brasil tem 710 doutores para cada milhão de habitantes. A taxa representa apenas cerca de um décimo do verificado nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde há 7,6 mil doutores para cada milhão de habitantes, e 60% do observado na Argentina, que possui 1.178 doutores para cada milhão de habitantes.
“Esse cenário não é resultado apenas do baixo investimento em ciência e tecnologia, mas também em educação. Os números refletem a exclusão e a perda de cérebros no Brasil causados pelas carências que começam na educação infantil, passam pela educação básica e chegam ao ensino superior”, avaliou o presidente da ABC. O quadro, segundo ele, dificulta a inovação. “Grande parte dos jovens brasileiros com até 24 anos tem nível educacional inferior ao ensino médio. Entre os formandos do ensino superior, a maioria vem de universidades privadas, nas quais, com as devidas exceções, a oferta de cursos é guiada pelo lucro e não pelos interesses do país”, acrescentou Davidovich, apontando que cursos da área de ciências sociais, negócios e direito, que apresentam menor custo para as instituições de ensino, respondem por 42% das matrículas no nível superior no Brasil.
Baixo financiamento
A falta de recursos para o financiamento da ciência, tecnologia e inovação no país foi outro ponto destacado pelo presidente da ABC. Após sucessivas quedas, em 2016, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, assim como os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), da empresa Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) caíram abaixo dos níveis registrados em 2006. Segundo Davidovich, o cenário atual indica que dificilmente será atingida a meta de elevação do investimento no setor para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020 – a proposta foi definida no ano de 2010, ao final da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. “Em 2017, houve um aumento no orçamento com relação a 2016, mas ainda estamos muito abaixo do que havia em 2013. Afirma-se que isso é consequência da crise econômica, mas existe uma falta de percepção do papel da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento e o crescimento do país”, enfatizou o cientista. Enquanto o Brasil investe aproximadamente 1% do PIB em ciência, tecnologia e inovação, os Estados Unidos aplicam 2,8% e a Coreia do Sul, mais de 4%.
Diversos exemplos de contribuições da pesquisa científica para o desenvolvimento do Brasil foram citados na palestra, incluindo descobertas que resultaram no aumento de produtividade da agricultura nacional e avanços que permitiram o protagonismo na exploração de petróleo em águas profundas. “Em tempos de crise econômica, os recursos para a ciência, tecnologia e inovação precisam ser percebidos como investimentos que trazem ganhos muito superiores para o futuro”, reforçou Davidovich, completando que a imprensa tem sido uma aliada na divulgação da relevância de tais investimentos.O primeiro dia do Simpósio discutiu também a resposta da Fiocruz durante a emergência em saúde pública ligada ao vírus Zika. Coordenada por Savino, a mesa-redonda contou com a participação dos pesquisadores do IOC Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários, e Ana Bispo de Filippis, chefe do Laboratório de Flavivírus, além do pesquisador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) Thiago Moreno de Souza.
Fonte: Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz