O Brasil possui mais água doce que qualquer outro país do mundo – 12% do volume total do Planeta. Isso cria uma falsa premissa de que o suprimento estável de água de boa qualidade estará sempre disponível. No Brasil, embora haja abundância de água, em comparação com outros países, existe uma grande variedade de riscos relacionados a água, o que representa uma grande incerteza na disponibilidade de água doce para a população. Além disso, os desafios relacionados a água causam múltiplos efeitos sobre o meio ambiente e a economia.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 (ODS 6), proposto pelas Nações Unidas, visa assegurar a disponibilidade e o manejo sustentável da água e do saneamento para todos. Mas, em 2030, haverá água para todos os brasileiros?
O tema do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2019 e tema do Dia Mundial da Água deste ano é “Não deixar ninguém para trás”. Este tema é central no compromisso da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que visa permitir que todas as pessoas em todos os países se beneficiem do desenvolvimento socioeconômico e a atinjam a plena realização dos direitos humanos.
O direito humano a água e saneamento foi reconhecido pela ONU em dezembro de 2015, uma vez que eles são indispensáveis para prover meios de subsistência saudáveis e fundamentais para manter a dignidade de todos os seres humanos.
O setor privado desempenha um papel fundamental para auxiliar no fornecimento de serviços de abastecimento de água e saneamento para todos os cidadãos, pois nem sempre os governos sozinhos podem assumir toda a responsabilidade e frequentemente não possuem recursos técnicos e financeiros suficientes disponíveis.
O papel dos governos e agências de água é focado no estabelecimento de políticas e regulamentos, porém o setor privado pode contribuir muito para a promoção de ações e atitudes sustentáveis em suas práticas de negócios. A iniciativa privada pode contribuir muito para endereçar os desafios hídricos através do desenvolvimento de soluções e tecnologias inovadoras, além de possuir um papel de grande influenciador na sociedade, com o potencial de gerar uma mudança de comportamento dos indivíduos e uma conscientização em relação ao uso eficiente da água, podendo ter uma forte influência sobre a formulação de políticas.
A ONU reconheceu em 2000 o imenso potencial de contribuição das empresas para a adoção de valores e princípios universais alinhados a direitos humanos, a preservação ambiental e com o estímulo de práticas de responsabilidade corporativa. Criou-se então o Pacto Global (United Nations Global Compact), uma iniciativa de caráter voluntário que fornece métricas para se promover o crescimento sustentável e envolve o setor privado em programas alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No Brasil, a iniciativa foi criada em 2003 e conduz projetos no país por meio dos seus Grupos Temáticos (GT), divididos atualmente em: Água, Energia & Clima, Alimentos & Agricultura, Direitos Humanos & Trabalho, Anticorrupção e ODS. Além disso, existe a Comissão de Engajamento e Comunicação, que dá as diretrizes para as divulgações feitas pelos membros sobre o Pacto Global e sobre os ODS. Esses grupos são formados por representantes das empresas e organizações que integram a Rede Brasil.
O Grupo Temático Água visa colaborar para a construção de uma agenda de governança em água, engajando o setor privado na adoção de práticas sustentáveis em suas operações e em suas cadeias de abastecimento para promover o uso eficiente do insumo. Atua totalmente em consonância com o ODS nº 6, que busca assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos e todas até 2030.
Para o contexto brasileiro, o alcance do ODS 6 é desafiador. Segundo estudo Perdas de Água 2018, realizado pelo Instituto Trata Brasil com base nos dados do Sistema Nacional de Saneamento (SNIS), estima-se que cerca de 35 milhões de cidadãos não têm acesso a água potável, enquanto que 100 milhões não possuem saneamento adequado. Nesse contexto, as empresas podem desempenhar um papel fundamental neste cenário ao investir em tecnologias e soluções inovadoras para a gestão da água dentro das suas operações e em sua cadeia de valor. Outra frente de envolvimento é a participação em ações coletivas, que proporcionem a oportunidade para que as organizações se engajem com uma variada gama de partes interessadas a fim de criar projetos em conjunto. Além disso, a necessidade de buscar resiliência a situações de severa escassez hídrica gera oportunidades de negócios em mercados e para serviços e produtos inovadores.
No geral, o avanço tanto no acesso a água quanto a saneamento tem sido muito lento no país nas últimas décadas. Doze anos após a Lei do Saneamento Básico (lei 11.445) entrar em vigor no Brasil, metade da população do país continua sem acesso a sistemas de esgotamento sanitário.
A evolução dos serviços de água e saneamento do país é muito lenta, trazendo não apenas problemas sociais ao país, mas também ambientais, financeiros e de saúde, já que é um fator importante na disseminação de doenças.
O ODS 6 prevê a universalização do saneamento até 2030, além disso, um plano nacional foi elaborado e lançado em 2014 pelo governo federal, com metas de universalização dos serviços (água, esgoto, resíduos e drenagem) até 2033. Porém, segundo estudo Burocracias e Entraves no Setor de Saneamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com o ritmo atual de investimentos, o Brasil apenas conseguirá universalizar o atendimento de água em 2043 e de esgoto, em 2054.
A Agenda 2030 traz 17 objetivos de desenvolvimento sustentável que são indivisíveis e integrados. Ao deixar de cumprir as metas do ODS 6, pessoas de diferentes grupos são “deixadas para trás” por diferentes motivos. A falta de acesso a água e a saneamento afeta a vida das mulheres (ODS 5), reforçando a desigualdade de gênero no Brasil. Os impactos da falta de saneamento causam discriminação, exclusão, marginalização e violência contra todas as mulheres e meninas.
Segundo estudo lançado pela BRK Ambiental, em parceria com o Instituto Trata Brasil, intitulado O Saneamento e a Vida da Mulher Brasileira, uma em cada quatro mulheres não tem acesso adequado a água tratada, coleta e tratamento dos esgotos e a universalização dos serviços tiraria imediatamente 630 mil mulheres da pobreza, a maior parte delas negras e jovens.
Segundo o estudo, hoje no país 27 milhões de mulheres – uma em cada quatro – não têm acesso adequado a infraestrutura sanitária e o saneamento é variável determinante em saúde, educação, renda e bem-estar. O estudo foi realizado com base em dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos Ministérios da Saúde, Educação e Cidades. O estudo foi feito pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a BRK Ambiental e apoio do Pacto Global, conduzida pela Ex Ante Consultoria.
A melhoria no acesso a água e a saneamento está entre os principais obstáculos para a realização dos direitos humanos, assim como para o alcance dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030.
Hoje, no Dia Mundial da Água, chamamos a todos para contribuir para melhorar a gestão dos recursos hídricos e criar ações coletivas para alcançar a universalização do acesso a água potável e saneamento seguros e acessíveis para todos, a fim de contribuir para erradicar a pobreza e construir sociedades pacíficas e prósperas, garantindo que “ninguém será deixado para trás” no caminho rumo ao desenvolvimento sustentável.
Fonte: ONU Brasil