Planejamento urbano tem relação direta com a saúde da população. A implantação em São Paulo de um modelo de cidade compacta – onde as distâncias entre os locais de moradia, trabalho, comércio e serviços fossem mais curtas e as áreas urbanas tivessem maior densidade populacional e uso mais diversificado – poderia resultar em um aumento de 24,1% na atividade física pelos paulistanos relacionada ao transporte, como caminhada e ciclismo.
Esse aumento no deslocamento ativo na cidade levaria a uma diminuição de 4,9% na emissão de material particulado fino na atmosfera pelos veículos automotores e, consequentemente, a uma queda de 7% no número de casos de doenças cardiovasculares e de 5% no de diabetes tipo 2.
As estimativas são de um estudo internacional realizado por pesquisadores da Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, China e Índia, com a participação de Thiago Hérick de Sá, pesquisador do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), que realizou doutorado com Bolsa da FAPESP.
Os resultados do estudo foram publicados em uma série especial da revista Lancet sobre planejamento urbano, transporte e saúde, lançada durante a Assembleia Geral da ONU, no final de setembro em Nova York, nos Estados Unidos.
“O objetivo da série foi quantificar os impactos da adoção de um modelo de cidade mais compacta e de um sistema de transporte mais sustentável sobre a saúde da população de cidades de diferentes regiões do mundo”, disse Sá à Agência FAPESP.
Os pesquisadores fizeram uma série de estimativas para avaliar os impactos que mudanças no uso da terra e no sistema de transporte trariam para a saúde de populações que vivem em cidades, como a diminuição de mortes e lesões causadas por acidentes de trânsito e da incidência de doenças cardiovasculares e respiratórias, além de diabetes tipo 2.
Com base nessas estimativas, eles desenvolveram um modelo de cidade compacta, em que que a densidade e a diversidade do uso da terra foram aumentadas em 30% e a distância média dos trajetos foi reduzida também em 30%, com o objetivo de estimular a substituição do uso de automóveis pelo transporte público, bicicleta e caminhada nos deslocamentos na cidade. Além disso, os pesquisadores também substituíram no modelo 10% do transporte por veículos automotivos na cidade por deslocamento ativo (caminhada ou bicicleta).
O modelo foi aplicado nas cidades de Melbourne (Austrália), Londres (Inglaterra), Boston (EUA), São Paulo, Copenhagen (Dinamarca) e Délhi (Índia), a fim de projetar os efeitos dessas intervenções no uso da terra, no planejamento urbano e no padrão de transporte sobre a saúde da população dessas cidades, que apresentam diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico e de motorização.
A cidade de Melbourne, por exemplo, apresenta alta renda e é extremamente motorizada. Já as cidades de Boston, Londres e Copenhagen têm alta renda e são moderadamente motorizadas. São Paulo, por sua vez, apresenta renda média e é moderadamente motorizada. E Délhi possui renda baixa e tem se motorizado rapidamente, segundo os pesquisadores.
Os resultados das projeções indicaram que a implantação do modelo resultou em um aumento da atividade física relacionada com o transporte ativo – como caminhada e o ciclismo – em todas as cidades.
Os maiores aumentos foram observados em cidades mais motorizadas, como Melbourne (72,1%) e Boston (55,7%), onde os níveis de transporte ativo são baixos.
Nas cidades de Londres (39,1%), Copenhagen (28,9%), Délhi (18,5%) e São Paulo (24,1%) – onde os níveis de transporte ativo são maiores – o aumento da atividade física relacionada ao transporte foi menor, apontaram os pesquisadores.
“A atividade física relacionada ao transporte em São Paulo é maior porque a cidade está em desenvolvimento, o nível de motorização ainda é um pouco menor em comparação com aquelas cidades e há muitas pessoas que se deslocam ativamente não porque querem, mas porque precisam”, explicou Sá.
“Isso atenua o impacto que um sistema de mobilidade sustentável teria na cidade em comparação com as mais motorizadas. Mas, ainda assim, traz muitos ganhos para a saúde da população pela diminuição da poluição do ar pelos automóveis, aumento nos níveis de atividade física e redução do número de mortes e lesões no trânsito, desde que existam estruturas dedicadas à caminhada e às bicicletas, como boas calçadas e ciclovias”, ponderou.
O modelo resultou em ganhos de saúde para a população de todas as cidades, com maior efeito na redução das taxas de doenças cardiovasculares.
Em Melbourne, o modelo levou a uma redução estimada de 19% nos casos de doenças cardiovasculares e de 14% nos de diabetes tipo 2. Em Londres, causou uma diminuição de 13% na incidência de doenças cardiovasculares e de 7% na de diabetes tipo 2.
Em Boston, as reduções foram de 15% e 11%, respectivamente. E em São Paulo a queda foi de 7% no número de casos de doenças cardiovasculares e de 5% na ocorrência de diabetes tipo 2 – índices semelhantes aos de Copenhagen.
Além disso, todas as cidades participantes do estudo obtiveram redução da poluição do ar pelas emissões de partículas finas pelos veículos automotivos.
Embora a diminuição das emissões tenha sido maior em cidades mais motorizadas, como Melbourne (-12,4%), Boston (-11,8%), Londres (-10,1%) e Copenhagen (-10,9%), São Paulo (-4,9%) e Délhi (-3,2%) também registraram queda em menor grau, indicaram os pesquisadores.
“Grosso modo, as conclusões do estudo sobre as outras cidades também valem para São Paulo”, avaliou Sá. “Se tivéssemos uma cidade mais adensada, onde as pessoas morassem mais próximas uma das outras, com um uso de solo mais diversificado e um sistema de mobilidade mais sustentável, isso resultaria em grandes ganhos para a saúde da população”, estimou.
Deslocamento ativo
Em outro estudo recente, o pesquisador, em colaboração com colegas da University of Cambridge e do Imperial College London no Reino Unido, da University of Zurich, da Suíça, da University of Edinburgh, na Escócia, e do Center for Research in Environmental Epidemiology, da Espanha, avaliaram se os riscos da exposição à poluição do ar poderiam anular os benefícios à saúde proporcionados pela atividade física durante deslocamentos ativos nas cidades.
Para isso, eles compararam os riscos da poluição do ar à saúde com os benefícios relacionados à atividade física durante deslocamentos ativos usando uma ampla gama de possíveis concentrações de poluição do ar e de duração das viagens, a fim de estimar em que momento os prejuízos à saúde causados pela exposição à poluição do ar poderiam superar os benefícios.
Os resultados do estudo, publicado na revista Preventive Medicine, indicaram que os benefícios de caminhar e pedalar para se deslocar superam os malefícios da exposição à poluição do ar na maioria das cidades no mundo, mesmo com muitas horas de deslocamento e em níveis elevados de poluição.
A exceção fica por conta de poucas cidades onde os níveis de poluição são extremos, apontou o estudo.
“Constatamos que, em 98% das cidades no mundo, os benefícios à saúde proporcionados pela caminhada ou por andar de bicicleta só começam a ser superados pelos malefícios da exposição à poluição do ar depois de muitas horas”, afirmou Sá.
Em cidades como São Paulo, onde a concentração média de material particulado com 2,5 microns de diâmetro na atmosfera é de 22 microgramas por metro cúbico (ug/m3), esse ponto de inflexão só seria atingido após sete horas de pedalada ou 16 horas de caminhada por dia, apontaram os pesquisadores.
“Esses percursos só poderiam ser feitos hipoteticamente por uma quantidade muito pequena de pessoas, como entregadores de postagens e encomendas”, avaliou Sá.
O artigo “Land use, transport, and population health: estimating the health benefits of compact cities” (doi: 10.1016/S0140-6736(16)30067-8), de Sá e outros, publicado na série especial da revista Lancet sobre planejamento urbano, transporte e saúde, pode ser lido em www.thelancet.com/series/urban-design.
Agência Fapesp