A vulnerabilidade persistente ameaça o desenvolvimento humano. E se não for combatida sistematicamente por políticas e normas sociais, o progresso não será nem equitativo nem sustentável. Esta é a premissa central do Relatório do Desenvolvimento Humano 2014, divulgado hoje pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD).
Intitulado Sustentar o Progresso Humano: Reduzir as Vulnerabilidades e Reforçar a Resiliência, o relatório fornece uma nova perspectiva sobre a vulnerabilidade e propõe maneiras de fortalecer a resiliência.
De acordo com as medidas de pobreza com base na renda, 1,2 bilhão de pessoas vivem com US$ 1,25 ou menos por dia. No entanto, as estimativas mais recentes do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) do PNUD revelam que quase 1,5 bilhão de pessoas em 91 países em desenvolvimento estão vivendo na pobreza, com a sobreposição de privações em saúde, educação e padrão de vida. Embora a pobreza esteja diminuindo em geral, quase 800 milhões de pessoas estão sob o risco de voltar à pobreza caso ocorram contratempos.
“Ao enfrentarmos as vulnerabilidades, todas as pessoas poderão compartilhar o progresso do desenvolvimento e o desenvolvimento humano vai se tornar cada vez mais justo e sustentável”, afirma Helen Clark, administradora do PNUD.
O Relatório do Desenvolvimento Humano 2014 chega em um momento crítico com as atenções voltadas para a criação de uma nova agenda de desenvolvimento pós-2015, prazo final definido para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
Dar atenção ao que impede o progresso
O relatório afirma que, à medida que as crises se espalham de forma cada vez mais rápida e ampla, é fundamental entender a vulnerabilidade a fim de garantir os ganhos já obtidos e manter o progresso. O documento aponta para uma desaceleração do avanço do desenvolvimento humano em todas as regiões, medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ele observa que ameaças como crises financeiras, flutuações nos preços dos alimentos, desastres naturais e conflitos violentos impedem o progresso de forma significativa.
“Reduzir tanto a pobreza em si quanto a vulnerabilidade das pessoas a cair na pobreza deve ser um objetivo central da agenda pós-2015”, afirma o Relatório. “Eliminar a pobreza extrema não significa apenas “chegar a zero”; é também manter-se lá.”
Uma lente do desenvolvimento humano sobre quem é vulnerável e por quê
“A redução da vulnerabilidade é um ingrediente-chave em qualquer agenda para melhorar o desenvolvimento humano”, escreve o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, em uma contribuição para o Relatório. “[Nós] precisamos encará-la a partir de uma ampla perspectiva sistêmica.”
O Relatório de 2014 trata dessa abordagem usando uma lente de desenvolvimento humano para ter um novo olhar sobre a vulnerabilidade como um conjunto de riscos sobrepostos e que se reforçam mutuamente.
O documento explora vulnerabilidades estruturais – aquelas que têm persistido e se agravado ao longo do tempo como resultado de discriminação e falhas institucionais, prejudicando grupos como os pobres, as mulheres, os imigrantes, as pessoas com deficiência, povos indígenas e pessoas mais velhas. Estima-se, por exemplo, que 80% dos idosos no mundo sofrem da falta de proteção social, com um grande número de pessoas mais velhas que também são pobres e com deficiência.
O Relatório também apresenta o conceito de vulnerabilidades do ciclo de vida: os pontos sensíveis na vida em que choques podem ter maior impacto. Eles incluem os primeiros mil dias de vida bem como as transições da escola para o trabalho e do trabalho para a aposentadoria.
“As capacidades se acumulam ao longo da vida de um indivíduo e têm que ser alimentadas e mantidas; caso contrário, ele pode se estagnar e até mesmo sofrer um declínio”, adverte. “Essas capacidades são afetadas por investimentos realizados em fases anteriores da vida e a exposição a choques de curto prazo pode trazer consequências de longo prazo.”
Por exemplo, em um estudo citado pelo Relatório, crianças pobres no Equador se mostraram em desvantagem de vocabulário já na idade de seis anos. Intervenções oportunas, tais como investimentos em desenvolvimento pré-escolar são, portanto, fundamentais, destaca o Relatório.
Os países pobres podem suportar a prestação universal de serviços sociais básicos
O relatório defende a prestação universal de serviços sociais básicos como instrumento para aumentar a resiliência, refutando a ideia de que apenas os países ricos podem dar-se ao luxo de fazer isso. O Relatório apresenta uma análise comparativa de países de diferentes níveis de renda e sistemas de governo que já começaram a implementar ou têm totalmente implementadas tais políticas.
Entre esses países estão exemplos mais conhecidos, como Dinamarca, Noruega e Suécia, mas também as economias de rápido crescimento, como a Coréia do Sul e os países em desenvolvimento, como a Costa Rica.
“Esses países começaram a colocar em prática medidas de seguridade social quando seus respectivos valores de Produto Interno Bruto (PIB) per capita eram menores que os de Índia e Paquistão agora”, o Relatório observa.
No entanto, “pode haver casos em que oportunidades iguais requerem tratamento desigual”, observa Khalid Malik, Diretor do Escritório do Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD, em Nova York. “Grandes recursos e serviços podem precisar ser fornecidos para os pobres, os excluídos e os marginalizados a fim de melhorar as capacidades e as escolhas de vida de cada um.”
O pleno emprego de volta ao topo da agenda política global
O RDH 2014 pede que os governos se comprometam com o objetivo do pleno emprego, um dos pilares da política macroeconômica dos anos 1950 e 1960, que foi ofuscado por objetivos políticos concorrentes nos anos que sucederam os choques do petróleo da década de 1970.
O Relatório argumenta que o pleno emprego rende dividendos sociais capazes de superar os benefícios privados, como a promoção da estabilidade e coesão social.
Reconhecendo os desafios que os países em desenvolvimento enfrentam no que diz respeito ao pleno emprego, o RDH 2014 incentiva um foco na transformação estrutural “para que o emprego formal moderno incorpore gradualmente a maioria da força de trabalho”, incluindo uma transição da agricultura para a indústria e serviços, com o apoio de investimentos em infraestrutura e educação.
A proteção social é viável em estágios iniciais de desenvolvimento
A maioria da população mundial não tem proteções sociais abrangentes como pensões e seguro-desemprego. O Relatório argumenta que tais medidas são possíveis em países de todos os estágios de desenvolvimento.
“Proporcionar benefícios básicos de seguridade social para os pobres do planeta custaria menos de 2% do PIB mundial”, afirma. O Relatório cita estimativas recentes do custo de se oferecer um piso básico de proteção social – incluindo pensões universais básicas para idosos e pessoas com deficiências, benefícios básicos de cuidados infantis, acesso universal aos cuidados essenciais de saúde, assistência social e um esquema de emprego de 100 dias – em 12 países asiáticos e africanos de baixa renda, que vão de cerca de 10% do PIB em Burkina Faso a menos de 4% do PIB na Índia.
“Um pacote básico de proteção social é acessível desde que os países de baixa renda realoquem fundos e aumentem os recursos domésticos, juntamente com o apoio da comunidade internacional de doadores”, constata.
Esforço coletivo: ação coordenada necessária a nível mundial
O Relatório também convoca todos a uma ação coletiva mais forte, bem como uma melhor coordenação global e um compromisso de reforçar a resiliência, em resposta às vulnerabilidades que são cada vez mais globais em sua origem e impacto.
Ameaças que vão desde crises financeiras a mudanças climáticas, passando por conflitos e fluxos de refugiados, são transnacionais por natureza, mas os efeitos são sentidos local e nacionalmente, sobrepondo-se com frequência.
Tomemos o caso do Níger, que tem enfrentado graves crises alimentares e nutricionais provocadas por uma série de secas. Em meio a uma crise alimentar compartilhada com outros países da região, o Níger teve de lidar com os desafios adicionais impostos por milhares de pessoas fugindo do conflito no vizinho Mali.
Ameaças transnacionais não podem ser resolvidas sozinhas pelas nações, que agem de forma independente; elas precisam de um novo foco da comunidade internacional que vai além de respostas de curto prazo, como a ajuda humanitária, argumenta o Relatório.
Para aumentar o apoio aos programas nacionais e abrir espaço político para as nações adaptarem o universalismo às condições específicas do país, o Relatório recomenda que se chegue a “um consenso internacional sobre a proteção social universal”, que seja incluí
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 27/07/2014