Em defesa do SUS e da democracia

O processo de impedimento da presidenta afastada Dilma Rousseff e o início do governo interino de Michel Temer estiveram em pauta durante o debate Retrocesso, organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fiocruz, na última quinta-feira, 02 de junho. Parte da série online Futuros do Brasil, o evento contou com a participação do professor Jairo Nicolau, do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), e da professora Sonia Fleury, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV).

A discussão abordou as consequências de curto, médio e longo prazo que um governo neoliberal pode gerar, especialmente para a área social e a Saúde. A redução do Sistema Único de Saúde (SUS) em prol da contratação de planos de saúde privados pela população é uma das faces do Estado neoliberal que foram rechaçadas pelos debatedores. “O Brasil passa por um processo de transição que ainda não tem seu destino claramente definido. O atual modelo de representação perdeu legitimidade junto à população e a retração econômica e as denúncias da Operação Lava Jato vêm acelerando esta crise estrutural da política brasileira, que é a mais acentuada desde a década de 1980”, avalia Nicolau.

Para Sonia, o atual momento derrubou duas afirmativas da ciência política: a de que o presidencialismo de coalizão era virtuoso ao dar capacidade de governança e a de que a transição democrática havia se completado no Brasil, com a existência de instituições extremamente fortes. “Com as novas regras propostas ao financiamento do SUS, a dispensa dos relatórios de impacto ambiental para empreendimentos e as mudanças nas demarcações de terras indígenas, entre outras medidas, os retrocessos do governo de Michel Temer se concentram na área social e afetam as conquistas do processo democrático que levou à Constituição Federal e aos direitos sociais”, afirma.

Os debatedores citaram o ineditismo da vaia proferida ao ministro interino da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), durante o XXXII Congresso Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, realizado de 1º a 4 de junho em Fortaleza, que o inibiram a se pronunciar durante o evento. “A crise é séria, mas traz consigo um novo momento político. As pessoas estão conversando sobre política; os brasileiros sabem quem são os ministros do Supremo Tribunal Federal e não conhecem os jogadores da seleção de futebol. Há algo novo no ar. E essa vitalidade surge a partir do momento em que o abismo entre a sociedade e os políticos aumenta”, destaca Nicolau.

A professora da FGV defende que um dos riscos da nova corrente de pensamento que chega ao poder, também representada pelo congresso mais conservador das últimas décadas, é o de que haja perdas em relação aos valores essenciais a uma sociedade solidária. “Surge no horizonte uma chance de que o público seja sobrepujado pelo privado. De um lado, pela falta de recursos disponíveis; por outro, pelos interesses privados que avançam por meio da abertura de espaço para as Organizações Sociais de Saúde (OSS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e todas as formas de mercantilização do social. Fomos progressivamente perdendo terreno nessa luta, que é fundamentalmente simbólica. É preciso fortalecer a cultura de que o direito à saúde deve ser garantido pelo Estado”, ressalta Sonia.

Apesar do cenário considerado negativo, os pesquisadores observam com otimismo a crescente participação política dos brasileiros. “A indignação popular aponta para mudanças que podem levar para um futuro promissor. A sociedade civil cada vez mais clama por uma reforma política profunda, que afete não só os partidos, mas outros aspectos, como o monopólio da mídia”, avalia Sonia. De acordo com os pesquisadores, alguns passos já foram dados neste sentido, por meio da Lei da Ficha Limpa e da proibição de doações de empresas a campanhas políticas. “O modelo ancorado por financiamento de corporações chegou a uma escala absurda em 2014, e isso acabou. A proibição muda a natureza da concepção política, a menos no curto prazo, tornando a eleição mais competitiva. A prisão de políticos envolvidos em esquema de corrupção e a impossibilidade de eles se candidatarem a novas vagas nos próximos pleitos também favorecem a renovação dos quadros, que se encontram hoje muito envelhecidos”, conclui Nicolau.

Equipe Brasil Saúde Amanhã, 06/06/2016