Dados quantitativos podem revelar muito de cenários relacionados a possíveis endemias, epidemias e surtos em todo o mundo. Entretanto, somados às análises de pesquisadores envolvidos em investigações por mais de 20 anos, fortalecem essas perspectivas. Esse é o caso de Maria Inês Schmidt, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que proferiu a conferência “Diabetes: uma epidemia em câmera lenta?”, que fez parte da programação do IX Congresso Brasileiro de Epidemiologia, realizado em Vitória no início de setembro.
Sob três caminhos que se relacionam no destino final, Maria Inês iniciou sua participação no Epivix 2014, apresentando correntes de estudos que colocavam essa afirmativa de epidemia do diabetes ainda como uma incógnita; outros que sinalizavam e defendiam que esses dados não passavam de um artefato estatístico; e ainda os que afirmavam que realmente estamos vivendo uma epidemia em câmera lenta (expressão essa utilizada por Margareth Chan quando apresentou o problema das doenças crônicas na ONU em 2011).
“Será que estamos vivendo realmente uma epidemia? Se estamos, quais as causas e consequências? E como podemos controla-la?” foram os pilares de sua explanação.
Maria Inês apresentou muitas informações para responder à primeira contestação como os dados disponíveis no site da Federação Internacional de Diabetes, onde há o Atlas de 2013 e o número de 382 milhões de pessoas com a doença, e ainda a informação de que 46% dos casos não são diagnosticados. “Esses dados não são para fazer nenhum tipo de advocacia do diabetes, mas apenas para ilustrar esse cenário que defende essa epidemia. Essa porcentagem de 46% também se deve ao fato de que o diabetes tipo 2, como quase todas as doenças crônicas, tem uma fase latente e depois uma fase em que já é chamado de diabetes por atender a alguns critérios diagnósticos, quando permanece assintomático podendo ficar assim por um período de 5 a 10 anos. Depois vem a parte sintomática. É nessa fase que os diagnósticos costumam a ocorrer”, explica.
“Estamos nos alimentando mal, isso é fato. A população está mais obesa. Estamos sedentários. Mas também precisamos refletir sobre como mudar esse cenário porque não são mudanças individuais, mas que as sociedades criaram ao longo dos anos. Não são as pessoas que têm diabetes, mas a sociedade que fica doente”, ressaltou.
Maria Inês enfatizou que é preciso olhar com atenção aos fatores causais, como a cesariana, com a qual tem aumentado o risco de obesidade nas crianças. “O diabetes se manifesta muito em sua morbidade. O diabetes tipo 2 tem complicações crônicas que reduzem substancialmente a qualidade de vida das pessoas. As complicações cardiovasculares são uma causa de morbidade, difícil de retirar dos registros oficiais. Ainda assim, pesquisas apontam uma redução desses casos em vários países, devido às intervenções que estamos realizando para reverter essa situação nas últimas décadas. Entretanto há outras complicações, como exemplo, doença cardiovascular periférica e neuropatia que são uma causa muito importante de amputação de membros inferiores”, disse. Outras consequências são as complicações renais, podendo levar o indivíduo ao estágio renal crônico terminal em alguns casos.
E como podemos controla-la? Segundo Maria Inês Schmidt, fazem-se necessárias três estratégias fundamentais: 1) políticas públicas de promoção da saúde que possibilite a todos, formas mais saudáveis de viver, e com isso estaremos enfrentando várias epidemias de doenças crônicas; 2) atenção integral a quem tem diabetes (ênfase para terapias custo-efetivas, que aqui é fundamental porque a carga vai crescer e o sistema de saúde vai ficar sobrecarregado; 3) prevenção primária (mas não daquela de chamar as pessoas nas ruas, nas comunidades, mas para aquelas pessoas que estão no sistema de saúde por outras condições como hipertensos, mulheres grávidas, obesos que apresentam alguma morbidade associada.
Acesse o Atlas 2013 da Federação Internacional de Diabetes nas versões em inglês, árabe, espanhol, chinês e francês.
Abrasco, 09/09/2014