Acesso a medicamentos é essencial ao desenvolvimento sustentável

“Pela primeira vez, temos uma agenda para o desenvolvimento sustentável que amplia o debate no âmbito do direito à saúde universal, em especial, ao acesso a medicamentos. É uma grande oportunidade para todos nós”. A afirmação é da representante da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) no Brasil, Socorro Gross Galiano, que ministrou palestra magna durante o lançamento do livro “Desafios do acesso a medicamentos no Brasil”, pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã, dia 25 de junho. Intitulada “Acesso a medicamentos no mundo contemporâneo: perspectivas para as próximas décadas”, a apresentação abordou os mecanismos existentes para promover o acesso a medicamentos, os desafios na área, as perspectivas para as próximas décadas e as oportunidades de atuação da OPAS frente à pandemia de Covid-19.

Assista ao lançamento do livro “Desafios do acesso a medicamentos no Brasil”:

Entre os mecanismos disponíveis atualmente para garantir o acesso a medicamentos, Socorro citou a adoção mais ampla de biossimilares, a fim de ampliar o uso de medicamentos biológicos no tratamento de doenças inflamatórias e câncer. Além disso, destacou a compra conjunta de medicamentos e vacinas, o pool de patentes de novas drogas e as flexibilidades da Declaração de Doha a respeito do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS) para liberação de medicamentos genéricos de menor preço em todo o mundo. “Outras estratégias são a promoção do uso racional de medicamentos, o compartilhamento de informações para maior transparência de preços, o financiamento por fundos e alianças globais, a transferência de tecnologias, políticas mais rigorosas de patentes e a expansão de parques industriais”, enumerou a palestrante.


Ao discorrer sobre os desafios presentes e futuros, Socorro evidenciou os gastos globais com produtos farmacêuticos e as barreiras de acesso, sobretudo em países que não têm um sistemas saúde com acesso universal a serviços, medicamentos, vacinas e tecnologias. “Um indicador importante que relaciona preço e sustentabilidade mostra que 90% da população compra medicamentos com o dinheiro do próprio bolso. Podemos dizer que, após a comida, os medicamentos correspondem à maior despesa das famílias e que a dificuldade de acesso não é um problema restrito a medicamentos novos ou que estejam sob patentes”, informou a representante da OPAS no Brasil.


Nesse contexto, nas próximas décadas, a perspectiva para a região das Américas é uma pressão substancial para que a maioria dos países desenvolva novos modelos de financiamento da saúde. “Teremos pressões demográficas, com crescimento e envelhecimento populacional. Também prevemos uma transição epidemiológica importante, com crescimento econômico relativamente desacelerado, fato que já está acontecendo atualmente. A expectativa é que ocorram reivindicações sociais em busca de acesso e decisões políticas difíceis entre o benefício populacional e a necessidade individual das pessoas”, explicou Socorro.


Para a representante da OPAS, é necessário que os setores público, privado e a academia unam forças em prol de uma política industrial orientada para a saúde universal e que existam elevados investimentos em infraestrutura ao longo do tempo. “Essa combinação é decisiva para aumentar a capacidade de produção de acordo com as demandas de saúde cada país. São imprescindíveis mais investimentos e o fortalecimento dos sistemas regulatórios”, apontou Socorro.


O livro: contribuições para a ciência e a sociedade


Lançado pela Edições Livres, selo editorial do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) dedicado a obras com livre circulação na internet, o livro é organizado por Jorge Bermudez, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz); Jorge Costa, assessor da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz; e José Carvalho de Noronha, pesquisador do Icict/Fiocruz e coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã. A obra está disponível para download no Portal de Livros em Acesso Aberto Porto Livre, da Edições Livres. O trabalho é fruto do seminário “Desafios do acesso a medicamentos no Brasil”, realizado em outubro de 2019, pela iniciativa Brasil Saúde Amanhã.


Pioneira na atividade de prospecção estratégica do futuro do sistema de saúde, a iniciativa Brasil Saúde Amanhã completa 10 anos em 2020. A rede de pesquisa investiga desde a mudança do perfil demográfico e epidemiológico da população brasileira até as estratégias necessárias para garantir o preceito constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado. Esse esforço inclui projeções sobre o financiamento setorial, a organização do sistema de saúde, o complexo produtivo do setor, dentre outras abordagens. “Nós trabalhamos com o horizonte móvel de 20 anos, sempre atualizando os cenários propostos em função de crises econômicas, novas tecnologias e, agora, a pandemia de Covid-19. Estamos orientando nossas atividades para 2040. É com grande prazer que divulgamos esse livro, como resultado de um seminário realizado no ano passado com coordenação técnica do Jorge Costa e Jorge Bermudez. É um passo vinculado à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da ONU, que prevê em suas metas o acesso universal e igualitário aos medicamentos essenciais”, apresentou Noronha.


Além dos organizadores do livro, participaram do debate a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação, Marco Aurélio Krieger; o coordenador da Estratégia Fiocruz para Agenda 2030, Paulo Gadelha; e o diretor do Icict/Fiocruz, Rodrigo Murtinho, que coordena a Edições Livre. Durante o lançamento, os debatedores ressaltaram a relevância do conteúdo da publicação. “A obra une a ampla experiência de reflexão com a inovadora vivência no campo da gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação. Além dos leitores de diversos campos do conhecimento, quem certamente se beneficiará com a obra será a sociedade como um todo, que terá a oportunidade de melhor refletir sobre a temática e, assim, buscar o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nesta direção”, avaliou a presidente da Fiocruz.


O coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, o pesquisador Paulo Gadelha, situou a publicação nos esforços nacionais e institucionais para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). “A ONU orienta os países a investirem em mecanismos facilitadores de tecnologias, isto é, arranjos, inovações organizacionais e formas de financiamento para nortear a Ciência, a Tecnologia e a Inovação na direção dos ODS. Esse livro nos coloca nesse caminho”, reconheceu Gadelha.


Ao apresentar o livro, Bermudez destacou que a medicina do futuro mudará substancialmente o sistema de saúde para além da genômica, proteômica e alvos terapêuticos, e que será preciso agregar aos medicamentos tradicionais também os produtos biológicos e encarar a terapia gênica e celular. “Esses desafios implicam em investimentos de massa crítica diferenciada, para fortalecer o presente e construir o futuro. Torna-se fundamental a difícil tarefa de superar os monopólios e discutir sobre o atual sistema de proteção de patentes de maneira estratégica, otimizando os espaços que a atual legislação nacional e internacional nos permitem”, pontuou. Costa ressaltou a pertinência do tema no atual contexto de emergência sanitária. “A importância de fortalecer o parque farmacêutico e farmoquímico está claramente demonstrada durante a pandemia de Covid-19. Estamos vivendo uma carência de insumos e de medicamentos não só no Brasil, mas no mundo todo”, afirmou.


Em seu comentário após a palestra, Krieger salientou que, apesar do livro ser anterior à pandemia de Covid-19, torna-se ainda mais importante diante do novo coronavírus. “O marco teórico desta obra pré-pandemia pode servir como um ponto de partida para que seja iniciada uma discussão pós-pandemia, em que todos os componentes de Ciência, Tecnologia, Inovação, assistência farmacêutica, evolução dos medicamentos e seus impactos na saúde pública devem ser considerados”, concluiu o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz.