“Para que o Brasil volte a crescer, é inevitável expandir os gastos públicos, por meio de uma política contracíclica”. A recomendação é do pesquisador Carlos Pinkusfeld Bastos, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em dezembro, o economista participou do seminário “Desenvolvimento, Espaço Fiscal e Financiamento Setorial”, organizado pela rede Brasil Saúde Amanhã, em parceria com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE). Nesta entrevista, Bastos explica porque o cenário atual – de restrição externa, reduzido crescimento dos gastos públicos e do PIB, deteriorização dos indicadores sociais e ausência de política industrial – impõe, para as próximas décadas, perspectivas de crescimento que não são otimistas. “As sociedades que prosperaram aumentaram seus gastos em bens e serviços públicos. Não há saída para o Brasil, hoje, que não seja pelo gasto público”, defende.
Qual a importância dos estudos prospectivos de futuro para a Saúde e a Economia?
A atuação do setor Saúde depende de planejamento, porque seus resultados são de longo prazo, assim como ocorre na Educação. Nesse sentido, o exercício de prospecção do futuro é fundamental, pois possibilita a coordenação entre as ações presentes e as perspectivas que se configuram no horizonte. O mapeamento de cenários é estratégico para apontar o que é ou não possível de ser alcançado nos anos ou décadas seguintes – e o que é preciso fazer para chegar ao futuro desejado. É importante partir das experiências e condições atuais do país para desenhar as possibilidades de futuro. As condições no Brasil, hoje, caminham contra a tendência histórica. É preciso analisar como a redução de gastos pelos próximos 20 anos poderá impactar a trajetória macroeconômica do país. A fase seguinte é avaliar esse impacto setorialmente.
Quais os efeitos de longo prazo de uma gestão macroeconômica pautada por um modelo de austeridade fiscal?
A tão propagada “responsabilidade fiscal” trata do resultado do déficit, sendo reflexo tanto do gasto quanto da receita do Estado. É importante ressaltar que o aumento dos gastos, muitas vezes, gera impacto positivo sobre a economia, inclusive com o crescimento da receita, como ocorreu no período brasileiro recente. Os indicadores de déficit fiscal e de dívida pública estão piores porque refletem um ciclo econômico de extrema depressão e não deveriam ser tomados como indicadores de responsabilidade fiscal.
É preciso ter um projeto nacional no qual os gastos públicos estejam integrados a uma ideia de crescimento de longo prazo, de sustentabilidade social e política, de emprego e de distribuição interna. O corte e o congelamento de gastos piora ainda mais o cenário e compromete o futuro em função de um dado que, no curto prazo, é deficitário em virtude da própria crise econômica. Essa ação perpetua baixo crescimento e estagnação econômica, tendo como justificativa a deteriorização de alguns indicadores que não estão relacionados necessariamente aos gastos.
Quais seriam as alternativas para as políticas fiscais, considerando um projeto de país que vise a garantia de um sistema de saúde universal, com equidade e integralidade?
As sociedades que prosperaram aumentaram seus gastos em bens e serviços públicos. Não há saída para o Brasil, hoje, que não seja pelo gasto público. Apenas uma política fiscal expansionista seria capaz de tirar a economia brasileira da recessão. O crescimento dos gastos pode levar a um maior déficit primário e a uma maior dívida pública, caso todas as demais variáveis sejam mantidas constantes. No entanto, se a taxa de juros cair, o déficit agregado tende a permanecer estável ou subir pouco. O pagamento de juros tem pouco impacto sobre o crescimento da economia, porque a maioria das pessoas que os recebe não gasta este dinheiro. Assim, ele é compensado pelo gasto público.
Há, ainda, a possibilidade de se aumentar a carga tributária das famílias mais ricas, com impostos sobre os dividendos, por exemplo. Assim, o efeito sobre a dívida e o déficit será muito menor. Para que o Brasil volte a crescer, é inevitável expandir os gastos públicos, por meio de uma política chamada contracíclica – que nada mais é do que um conjunto de ações governamentais tomadas com o objetivo de impedir ou minimizar os efeitos do ciclo econômico. A outra proposta atual, de tirar recursos da Previdência Social, também é muito ruim, porque resultará em pessoas trabalhando por mais tempo, com piores condições de saúde e bem-estar – o que poderá trazer ainda mais custos para o sistema de saúde.
Quais as perspectivas de crescimento econômico para os próximos 20 anos?
Na atual conjuntura, todos os elementos econômicos ou componentes da demanda agregada apontam para um aprofundamento da recessão e não para a recuperação econômica. Esses componentes podem ser autônomos – consumo a crédito, gasto público, exportações e construção residencial – ou induzidos – consumo corrente, investimento privado em máquinas, equipamentos e estruturas. No longo prazo, são os componentes autônomos que condicionam o crescimento da economia. Entretanto, uma rápida observação indica que todos os componentes privados e externos não apresentam perspectivas de reação na atual conjuntura de recessão, caracterizada por enorme capacidade ociosa e alto desemprego.
Não enxergo, no curto ou no médio prazo, nenhum componente agregado de demanda que me permita ser minimamente otimista. Não serão o consumo a crédito, nem o investimento, os responsáveis por reaquecer a economia. O setor externo tampouco, já que o mundo desacelerou em relação a 2008, basicamente em função da China, que de forma planejada freou o seu crescimento. Não haverá um novo ciclo das commodities, ou seja, o preço desses bens não voltará a crescer. Como as commodities, infelizmente, continuam sendo o nosso principal produto de exportação, não serão elas que levantarão a economia. O jogo não está perdido, mas a trajetória atual é muito ruim, porque combina restrição externa, baixo crescimento dos gastos públicos e do PIB, deteriorização dos indicadores sociais, ausência de política industrial. Essa corrente neoliberal que avança no país levará à estagnação e à recessão, não tenho dúvida. A retomada do crescimento depende do aumento do gasto público, da alteração da estrutura produtiva e de ganhos em eficiência na produção de bens mais complexos.
Renata Leite
Saúde Amanhã
16/01/2017