As Parcerias Público-Privadas (PPP) deverão desempenhar um papel cada vez mais relevante nos próximos anos, despontando como uma importante alternativa de financiamento de projetos e de infraestrutura no cenário de serviços públicos. Mas, para a Saúde Pública, as PPP nem sempre são uma boa alternativa, uma vez que pode haver distorção da agenda que define as necessidades da saúde, favorecendo os interesses das empresas. Essa é a posição adotada pelos pesquisadores da ENSP Vera Luiza da Costa e Silva, Silvana Rubano Barretto Turci, Ana Paula Natividade de Oliveira e Ana Paula Richter em artigo publicado pela revista Cadernos de Saúde Pública. Segundo o trabalho acadêmico, os órgãos públicos podem se beneficiar da colaboração com o setor privado em áreas em que há falta de especialização, tais como desenvolvimento de pesquisas e tecnologias, mesmo assim, os papéis de cada instituição devem ser bem definidos, para que não haja conflito de interesses. “Envolver-se com o setor privado, sem comprometer a integridade das ações governamentais, exige ampla discussão por parte dos atores da saúde pública, por motivos claros de conflito das visões e escopos entre corporações e saúde pública. Alia-se a isso a necessidade de abordagens multissetoriais, alta carga de investimentos financeiros das várias dimensões das políticas de controle de doenças mais prevalentes, sobretudo as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)”, alertam.
Conforme explica o artigo, as PPP vêm despontando num cenário em que as instituições públicas, apesar de apresentarem credibilidade científica, não dispõe de recursos suficientes e emprestam seu nome em troca de patrocínio para a prevenção e tratamento de doenças, assim como para o desenvolvimento de pesquisas, tornando essas parcerias uma alternativa de financiamento de projetos e de infraestrutura.
O trabalho expõe que ativistas em saúde pública e pesquisadores têm criticado a formação de PPP por entenderem que pode haver distorção da agenda que define as necessidades da saúde pública, favorecendo os interesses das empresas. “Tal preocupação tem fundamento porque muitos problemas que deveriam ser resolvidos por ações públicas acabam não sendo priorizados por influência de agentes não governamentais que as modificam de acordo com suas conveniências e interesses.”
Não diferente do que ocorre em muitos países, o artigo esclarece que o modelo de desenvolvimento adotado pela grande maioria das empresas que atuam no Brasil se fundamenta em corporativismo e na obtenção de lucro, assim como no investimento de grandes recursos em estratégias de propaganda e marketing para ampliarem sua clientela, além de dar mais credibilidade a seus produtos.
De acordo com o trabalho, no Brasil, existem empresas que fomentam parcerias com instituições públicas da área de saúde para promoção de atividades socialmente responsáveis, como combate ao câncer infantil, corrida para a cessação do tabagismo, entre outras. “Muitas vezes essas parceiras mostram flagrante contradição. Exemplo disso pode ser visto na participação de empresas na promoção de eventos para reduzir a obesidade e diabetes infantil, mas na verdade produzem alimentos ultraprocessados, calóricos e nutricionalmente pobres, que se constituem em fator de risco para doenças crônicas.”
A revista Lancet em 2013 publicou os resultados de um estudo do Grupo de Ação para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), que discute o crescimento da prevalência das DCNT no mundo e o papel das indústrias produtoras de commodities e de produtos insalubres. Essas empresas transnacionais são as principais responsáveis pelo surgimento da epidemia de DCNT e lucram com o aumento do consumo de seus produtos. Alguns exemplos clássicos incluem a indústria do tabaco, que tentou fazer acordos voluntários para evitar a regulação do conteúdo de seus produtos, bem como a regulamentação da publicidade e da propaganda, de modo a continuar a promover um produto que mata 1 a cada 2 consumidores e, estima-se, que até 2030 matará mais de 8 milhões de usuários.
Nesses casos, considera o artigo, deve ser considerado o não estabelecimento de PPP, tampouco a autorregulação, pois a intervenção do Estado é o único mecanismo que pode evitar/reduzir danos causados por tais indústrias, baseado em evidências científicas. Adicionalmente, pelo mesmo conflito de interesses, essas empresas não devem desempenhar nenhum papel na formulação da política nacional ou internacional para o controle das DCNT. O mesmo deve ser dito sobre os grupos de fachada dessas empresas, que não devem ser aceitos como parceiros.
Para ler o artigo O risco de parcerias público-privadas em saúde pública pode ser classificado? na íntegra, acesse aqui.
Fonte: Ensp/Fiocruz