Seminário avalia novos rumos do país frente à crise política

Os desafios dos setores progressistas da sociedade brasileira frente a um projeto de governo que chegou ao limite e de uma frente conservadora que não se limitará às regras democráticas para chegar ao poder: foram essas algumas das discussões do segundo dia do seminário Futuros do Brasil: Crise atual e alternativas de longo prazo, que aconteceu na terça-feira (12/4) no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), no Flamengo. Em seu segundo e último dia, o encontro, que é organizado pelo Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da Fiocruz, reuniu sociólogos, cientistas políticos e ativistas para discutir o que levou ao atual cenário e quais novos caminhos podem ser tomados a partir daqui.

Primeira a falar na mesa intitulada A política e o os movimentos da sociedade, a socióloga Angela Alonso, da Universidade de São Paulo (USP), falou sobre os novos ciclos de mobilização popular, que acontecem no país desde 2013. Alonso observou que, desde a redemocratização, o país acostumou-se a pensar que manifestações de rua são atividade da esquerda, e que as jornadas de junho romperam com isso, ao configurarem dois grandes campos: um formado por uma nova esquerda, autonomista e antipartidária, e uma nova direita, abrigada sob a bandeira do nacionalismo e do antipetismo. A socióloga observou que os dois grupos guardam semelhanças (apartidarismo, horizontalidade, recurso à violência) e diferenças (um grupo está à esquerda do PT, outro à direita). “Essas mobilizações acabam com a ideia disseminada no Brasil de que essa sociedade é passiva e não se manifesta. O fato de a mobilização já durar três anos mostra a vitalidade da democracia”, afirmou.

Representante do Fórum Social de Manguinhos, Fransergio Goulart começou sua participação questionando palavras de ordem atuais da esquerda, com uma citação do “filósofo favelado” Angu, do Instituto Raízes em Movimento: “Não vai ter golpe, ou a cada dia um novo golpe? Precisamos manter o Estado de Direito, ou começar a tê-lo? Não queremos a volta da ditadura, ou o seu fim?”. Cético em relação a movimentos políticos partidários, incluindo os que defendem o governo Dilma, Goulart compartilhou sua experiência como ativista na Favela de Manguinhos, afirmando que a comunidade é desassistida tanto pelo Estado quanto por movimentos políticos tradicionais. Segundo ele, apenas uma auto-organização comunitária pode mudar esta realidade. “Qual a luta dos movimentos da favela? Contra o capital? Esta é muito distante. A nossa pauta, em resumo, é uma luta contra a hegemonia ocidental, branca e rica. A esquerda não pode pensar que só existe o pensamento ocidental. Também existem outras teorias do mundo e outras conceituações”, sintetizou.

Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), por sua vez, concentrou sua participação nos desafios da esquerda brasileira. Para o ativista, o primeiro desses desafios “é enfrentar a escalada golpista no país”. Passada a votação de domingo (17/4), entretanto, será preciso reconstruir a esquerda no país, com o fortalecimento e a articulação dos movimentos sociais. Boulos afirmou que, ao contrário de muitos, não acredita que o governo vá guinar à esquerda “e fazer o que não fez em 14 anos”. De acordo com o ativista, apenas uma esquerda organizada desde a base poderá por em prática “um programa latente na esquerda há 50 anos e que permanece atual, porque não foi realizado. É um programa de enfrentamento a privilégios, de reformas estruturais, como a agrária, a urbana e a tributária. É essencial à esquerda retomar este programa”.

Encruzilhadas

Denominada O horizonte do futuro, a segunda mesa colocou a jornalista Tereza Cruvinel, do site Brasil 247, o cientista político José Maurício Domingues, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do CEE/Fiocruz, e o sociólogo Cândido Grzybowski, do Ibase, para debater sobre os impasses gerados pelo momento atual.

Cruvinel, que cobre a política nacional há mais de 30 anos, fez uma avaliação dos governos petistas, até chegar ao momento atual. Segundo ela, os governos Lula e o primeiro mandato de Dilma teriam se caracterizado por um pacto de classes que, sem tirar nada de camadas superiores, teria ainda assim gerado benefícios indiscutíveis às camadas mais vulneráveis da sociedade. Em parte, devido à recessão que atinge o país, este pacto teria ruído a partir do ano passado, o que teria levado ao momento atual, de isolamento do governo. A jornalista defendeu que o processo de impeachment é ilegítimo, por não haver caracterização de crime de responsabilidade nítida. Segundo ela, independente do resultado da votação no domingo (17/4), a crise está longe de passar, uma vez que tanto um governo Temer enfrentará resistência nas ruas, quanto as condições de governabilidade estarão comprometidas caso os votos necessários à extinção do processo sejam obtidos. Cruvinel encerrou com a previsão de que, independentemente do resultado na Câmara, a possibilidade de um grande acordo entre lados investigados pela operação Lava-Jato é bastante real, o que, como colocou, “também constitui um golpe”.

O cientista político José Maurício Domingues fez uma reflexão sobre impasses vividos pela esquerda hoje. Segundo ele, o “sistema político brasileiro entrou em parafuso e se tornou disfuncional devido a dois fatores: a influência do dinheiro na política e por não ouvir a população”. Domingues enfatizou que mudanças nas formas de sociabilidade, com um desejo cada mais vez disseminado de horizontalidade na sociedade, não foram incorporados pela política institucional, incluindo os partidos de esquerda. De acordo com o cientista político, duas demandas fundamentais se impõem hoje, uma a curto e outra a longo prazo: a primeira é o que acontecerá após a eleição de domingo, uma vez que Temer não terá legitimidade, e a Dilma faltará condições de governar. Por conta desses dois fatores, “eleições gerais talvez se imponham”. A demanda de longo prazo é como “incorporar as mudanças do tecido social no sistema político, pensando novas mediações, que possam trazer o desejo de autonomismo e a sociedade de para dentro das esferas públicas e de poder”.

Último palestrante a participar, Cândido Grzybowski começou sua participação de modo pessimista, afirmando que “a crise não tem solução e foi fabricada pelo PT e por todos nós”. Crítico ao partido que governa o país há 14 anos, afirmou que ele governou durante muito tempo sob uma aliança “sindical-empresarial, cujo primeiro resultado foi o sequestro do movimento sindical, que passou a perder poder”. Após afirmar que ambos os lados em disputa – isto é, tanto o que defende o governo quanto a oposição – são ilegítimos, o sociólogo se voltou para o que definiu como “um fio de esperança”: a cidadania que emergiu nas ruas nas últimas semanas. “Não será fácil calar essa cidadania e esse despertar da política. Estamos discutindo política em todo lugar. Até pouco só havia desânimo. Vejo esperança nessa novidade”, finalizou.

Portal Fiocruz, 13/04/16