Apresentado como única solução para a crise econômica, o ajuste fiscal tornou-se a senha para a criação de um arrocho, por meio da regulação restritiva de gastos. O remédio amargo foi tema do debate “Estado de sítio fiscal no SUS”, da série Futuros do Brasil, promovido pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz em parceria com o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). Durante o evento, realizado dia 16 de agosto, Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público do Estado de São Paulo, e Graziele David, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e conselheira do Cebes, discutiram o impacto do teto constitucional para as despesas públicas, proposto por meio da PEC 241/2016. Acompanhada pela proposta de desvinculação de receitas da União, dos estados e dos municípios, a medida que impõe teto fiscal aos próximos 20 anos ameaça direitos fundamentais conquistados pela Constituição Federal, como o acesso à Saúde e à Educação. Já subfinanciados, os dois setores tendem a ser profundamente afetados.
“É necessário elucidar conceitos e conhecer a fundamentação jurídica e financeira que orienta a proposta, para que seja possível refutar a tese de que não há outra forma de agir”, destacou Élida.
Para isso, a palestrante realizou um retrospecto sobre as revisões da Constituição Federal e apresentou fundamentos jurídicos que contradizem os argumentos nos quais está baseada a política de austeridade em curso. “O estado de sítio é um mecanismo legal adotado temporariamente, até que se encontre uma solução para o panorama vigente. Não é transitório um regime fiscal que supere o período de dois anos. O prazo de 20 anos não é razoável”, contestou Élida. Segundo a procuradora, nenhuma situação financeira ocorrida nas últimas duas décadas justifica o modelo de contingenciamento de despesas obrigatórias, posto em prática atualmente.
Graziele David, por sua vez, contrariou o argumento de que os governos vêm gastando muito, levando o país à crise – o que justificaria o mecanismo de correção fiscal. Para ela, o problema não está nas despesas, mas sim nas receitas. “O Sistema Único de Saúde (SUS) é subfinanciado, uma vez que o gasto público no setor é extremamente baixo e incompatível com a construção de um sistema de saúde universal. O Brasil direciona menos de 5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para a área, enquanto países que têm sistemas universais gastam entre 8% e 9% do PIB, em média. Além disso, trata-se de um equívoco encarar os gastos em Saúde e Educação como perda, já que representam investimentos de longo prazo”, apontou.
A conselheira do Cebes também indicou falhas no sistema tributário, que penaliza os mais pobres, e reconheceu a sonegação fiscal como um entrave importante à arrecadação federal. “Quando uma receita em potencial é desviada por sonegação ou elisão fiscal, o que ocorre é corrupção. Ao inviabilizar o aporte de recursos onde se pretendia, consequentemente impede-se também a realização de tudo o que poderia ser feito para garantir o interesse público. E o pior: a sonegação fiscal amplia as desigualdades. Para sonegar, é preciso ter dinheiro”, concluiu a especialista.